Embaixada do Brasil se recusa a receber carta de protesto do setor da Saúde

Publicado em quinta-feira, fevereiro 4, 2021 · Comentar 


Entidades de pacientes, médicos, ativistas, religiosos e pesquisadores revelam que a embaixada do Brasil na África do Sul se recusou a receber uma carta na qual mais de cem organizações protestavam contra a atitude do Itamaraty de vetar a quebra de patentes de vacinas contra a covid-19.

Brasília, ao lado de países ricos, vem bloqueando uma proposta da Índia e África do Sul para suspender as patentes de vacinas e permitir que o imunizante seja produzido em sua versão genérica. Sem a patente, vacinas poderiam ser produzidas por laboratórios em outras partes do mundo, acelerando o acesso dos produtos a milhões de pessoas e por preços mais baixos.

Nesta quinta-feira, uma reunião fechada na OMC (Organização Mundial do Comércio) em Genebra (Suíça) voltará a debater o tema. O encontro ocorre no mesmo momento em que a Federação Internacional da Cruz Vermelha revela que apenas 0,1% das doses até hoje distribuídas foi destinada aos 50 países mais pobres do mundo. Já os 50 países mais ricos do mundo ficaram com 70% de todas as vacinas até agora aplicadas.

O projeto de democratizar as vacinas conta com uma forte rejeição por parte dos países ricos, detentores das patentes. O Brasil, desde o começo do projeto, foi um dos únicos países em desenvolvimento a declarar abertamente que era contra a proposta, abandonando anos de liderança internacional para garantir o acesso a remédios aos países mais pobres.

Na esperança de reverter o posicionamento internacional do Brasil, foi lançada nesta semana uma campanha liderada pela sociedade civil. Cartas foram entregues aos embaixadores dos países que impedem que o projeto possa caminhar. No documento, as entidades alertavam que a postura do governo brasileiro é “insustentável e autodestrutiva”.

A mesma carta foi entregue às embaixadas dos países europeus, Canadá e EUA. Mas, de acordo com o grupo, a embaixada do Brasil na África do Sul se recusou a receber o documento. Procurado, o Itamaraty não explicou a atitude da embaixada brasileira.

O ato teve a participação da entidade Médicos Sem Fronteira, mas também contou com organizações como a AIDS Foundation of South Africa, Anglican Church of Southern Africa, Cancer Alliance, Eluthandweni Maternity Health Services, Health Justice Initiative, Lameze Abrahams Psychologists, The Desmond Tutu Health Foundation e entidades de enfermeiras.

“A proposta de renunciar às patentes vem em um momento crítico da pandemia, buscando enfrentar estes desafios”, defenderam as entidades no documento.

Na avaliação dos grupos, a suspensão das patentes permitiria que governos possam tomar medidas para “evitar monopólios que atrasam a fabricação doméstica, o acesso e custam vidas”.

“Até hoje, mais de 100 países acolhem ou apoiam a proposta de alguma forma. Cerca de 400 organizações da sociedade civil globalmente e organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde, UNAIDS, UNITAID e a Comissão Africana de Direitos Humanos exortaram os governos a apoiar a proposta de derrogação com urgência”, constatam.

“No entanto, em vez de demonstrar solidariedade global na luta contra a pandemia, apoiando a proposta de renúncia, um pequeno grupo de membros da OMC optou até agora por não apoiar a iniciativa”, disseram. “Diante de tal crise, a oposição do Brasil é insustentável e autodestrutiva”, atacam.

Aids como exemplo

Para as entidades, o Brasil precisa levar em conta o exemplo do que ocorreu no combate à Aids. Segundo eles, no final do século passado, os monopólios de propriedade intelectual sobre o tratamento do HIV atrasaram em dez anos o acesso de pacientes na África, Ásia e América Latina à terapia antiretroviral. “Isto levou a milhões de mortes desnecessárias desde o final dos anos 90 até meados dos anos 2000, quando as barreiras de patentes foram abordadas e os medicamentos genéricos contra o HIV se tornaram disponíveis”, indicaram.

“Nesta pandemia, mais uma vez testemunhamos como a desigualdade estrutural na saúde global resultou em uma luta contínua para garantir o acesso aos medicamentos, vacinas e outras ferramentas necessárias nos países em desenvolvimento”, afirmaram.

No documento, as entidades pedem que o Brasil “pare de obstruir a adoção da renúncia proposta na OMC e, em vez disso, expressar apoio a esta importante proposta durante as negociações formais”. “Tantas vidas dependem dela”, completam.

Da redação/ Com UOL

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