Historiador destaca ascensão e derrocada de Marcos Martins em Mari após mais de uma década de ‘mando’

Publicado em terça-feira, outubro 18, 2016 · Comentar 


Severino-Ramo“Os seguidores dos Martins se habituaram tanto as vitórias que jamais poderiam imaginar que o seu líder e ‘senhor’ fosse derrotado pelo seu oponente”, escreve o historiador Severino Ramo em artigo publicado pelo portal Umari na semana que sucedeu as eleições municipais, onde o Prefeito de Mari, então candidato a reeleição, perdeu o pleito para seu opositor e ex-prefeito Antonio Gomes.

No artigo, Ramo faz uma cronologia histórica desde a década de 70 quando a família Martins entrou efetivamente nas disputas políticas marienses, tendo representação familiar no parlamento desde então, chegando em 2000 ao topo do poder político/administrativo do município com a vitória de Marcos Martins, este acumulando vitórias consecutivas até 02 de outubro deste ano.

“Costuma-se se dizer, à boca miúda, que os Martins mandam (mandavam) do hospital ao cemitério, aonde a vida nasce e se encerra!”, afirma o historiador para apresentar o tamanho do poder que ‘detinha’ o clã familiar em Mari que foi destronado este ano, frustrando toda a confiança que até então inspirava aos seus seguidores: “Descobriu-se que o “mito” era de barro e que poderia ser quebrado. E foi!”, finaliza o historiador.

Confira a seguir a íntegra do artigo publicado no Umari:


A ascensão e a queda de um”mito”

As eleições municipais ocorridas em 2016 trouxeram muitas novidades, nos deram inúmeras lições, levaram pessoas comuns ao estrelato e, principalmente, derrubaram pessoas ‘normais’ que se auto denominaram e construíram em torno de si mesmas, uma áurea de mito.

Para não buscar exemplos fora da nossa própria realidade, vamos nos ater, neste pequeno escrito, a eleição ocorrida na cidade de Mari-PB. Este médio município do estado, fica a cerca 60km da capital, conta com uma população de 22 mil habitantes; e é conhecido regional e nacionalmente por algumas peculiaridades: foi nele que as Ligas Camponesas vivenciaram a sua maior tragédia, quando em 15 de janeiro de 1964 foram mortos quatro agricultores e sete policiais/milicianos, transformando a entrada da cidade num rio de sangue; este fato, inclusive, acendera o estopim que culminou com a deflagração do golpe militar dois meses e meio depois.

Por outro lado, nas décadas de 70 e 80 o município se tornou no maior produtor\exportador de abacaxi do país; fora também grande produtor de fumo, de inhame e de mandioca. Neste cenário, destaca-se uma família que, de uma forma ou de outra, criou contornos a partir da participação efetiva na vida sindical, religiosa, política e social do município – A família Martins; que teve na pessoa do patriarca, o senhor José Martins – um partícipe de muito do que o município vivenciou nas últimas quase seis décadas. Ele ajudou a criar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais em 1963, que depois de assumir a presidência fora um contraponto à luta dos que faziam as Ligas Camponesas. Martins é presidente do Sindicato até hoje. Já em 1978 foi eleito vereador, que só se “afastou” dessa função quando cedera a vaga para o seu filho, o jovem Marcos Martins. Neste período, ele foi presidente da Câmara municipal por quatro vezes. O patriarca Martins também atua na igreja católica, em diversas instâncias: ministro da Eucaristia, membro da Congregação Mariana, dentre outras. E é padrinho de quase metade da população mariense.

Não obstante ao seu trabalho sindical, religioso, político e social ele forjou no seu primogênito, Marcos Martins, o político que ele não conseguiu ser – prefeito do município e uma das maiores lideranças políticas (até o dia 2 de outubro passado) que os munícipes e a região já conheceram.

O jovem Marcos Martins conseguiu absolver e pôr em prática todas as lições ensinadas pelo pai; ele começou muito cedo a sua militância política, iniciando pelo sindicato onde o seu pai sempre presidiu, lá começou a fazer os seus primeiros contatos com o público a partir da convivência com os trabalhadores rurais, foi se aperfeiçoando na arte do convencimento e da articulação entre os diversos segmentos sociais religiosos e políticos, através de uma prática populista nunca vista antes!

Em 2000, Martins – o filho, conseguiu vencer a eleição e chegar a prefeitura, derrotando a então prefeita Vera Pontes. Com a chegada de Martins ao centro do poder municipal, ele traçou uma estratégia para eliminar e destruir todos os seus adversários e reduzir a quase nada os aliados. E a estratégia adotada foi muito arrojada: acusar a ex-gestora de todos os males existentes no município, inclusive, de ter desviado (roubado) um milhão de reais. A acusação virou um mantra! Gerando um sentimento de repúdio público, no qual crianças, jovens e idosos cantarolava em coro pelos quatro cantos do município e região que a ex-prefeita havia roubado um milhão de reais e também que ela havia jogado um veículo da prefeitura dentro de um açude! A ação orquestrada resultou no aniquilamento político da família Pontes que nunca mais conseguiu chegar ao poder, mesmo tendo na pessoa do Dr. Adinaldo Pontes a maior liderança política de Mari na década de 80 e 90.

Com um discurso de bom pagador e bem-feitor da pobreza, Marcos Martins se reelegeu a prefeito em 2004 com quase dois terços dos votos. Dentro da sua estratégia de aniquilar os adversários, ele trouxe para ser o seu vice naquela eleição, o senhor Antônio Gomes, afilhado político de Adinaldo desde o início da década de 80.

Já em 2008, como Martins não poderia mais concorrer a eleição, ele apresentou o seu vice Gomes, que embalado no apoio e na popularidade do então prefeito, ele foi eleito com uma larga vantagem sobre o seu oponente – Adinaldo Pontes. Eleito, o senhor Antôniopassou cerca de dois anos aliado com o seu líder e apoiador político, rompendo com ele nas eleições de 2010. 

Em 2012, Martins contava com um raquítico apoio na Câmara municipal, com apena três vereadores lhe defendendo. Por outro, o prefeito Antônio Gomes, tinha o apoio de oito vereadores e de vários segmentos do município; bem avaliado pela boa gestão que vinha fazendo, principalmente, na área da saúde, educação, geração de empregos e melhoria da infraestrutura do município. Porém, toda a superestrutura que dispunha para a eleição não foi suficiente para superar Martins, e ele venceu a eleição com mais de 600 votos de diferença. É importante realçar que Marcos Martins respondia a vários processos na justiça e que se propagava que ele não seria candidato, que não assumiria ou que não permanecia no poder, no entanto, ele venceu a tudo e todos.

Com havia falado anteriormente, Martins montou uma estratégia no início da sua gestão em 2000, na qual consistia em destruir os adversários e de apequenar os seus aliados. Em quase duas décadas todas as famílias importantes, politicamente falando, ou se submeteram ao mando dos Martins ou foram aleijadas ou excluídas do fronte político do município.

Vale realçar que Martins e o seu grupo adotaram contra a gestão de Gomes a quem eles mesmos haviam eleito (2008/2012) a mesma estratégia utilizada contra Vera Pontes, ou seja: os males existentes no município seria todos causados pela gestão anterior, e, além do mais, fez uma série de acusações de desvio de recursos públicos que se tivesse sido absorvidas pela sociedade, como fora no passado, Antônio Gomes não seria mais nada no município além da pecha de desonesto e larápio do dinheiro público.

No jogo do poder os Martins são ases no que fazem! Como exemplo disso basta observar como eles conseguiram impingir a sua influência nas diversas esferas do poder: sindicado, igrejas, poder executivo e legislativo, associações de bairros e rurais, movimentos sociais, dentre outros tantos. Além do mais, sabe se articular muito bem com ouros órgãos públicos, com a própria justiça e demais instâncias de poder. Costuma-se se dizer, à boca miúda, que os Martins mandam (mandavam) do hospital ao cemitério, aonde a vida nasce e se encerra!

Todavia, como é sabido, todo o poder é efêmero! Eis que a máxima se cumpriu agora. Na eleição de 2016, a família Martins contava com toda a infraestrutura que Gomes contou em 2012; por outro lado, a oposição se encontrava desarticulada e dividida, inclusive, por falta de consenso foram lançados três candidatos no campo da posição; o que tornou a candidatura à reeleição de Martins, pela lógica, algo imbatível!

Os seguidores dos Martins se habituaram tanto as vitórias que jamais poderiam imaginar que o seu líder e ‘senhor’ fosse derrotado pelo seu oponente; aquele mesmo que fora derrubado fragorosamente em 2012. E que agora, numa situação oposta, se encontrava sem poder político e sem recursos financeiros. Em 2016 os Martins contaram com a força do poder executivo que se encontra sob o seu comando, com o apoio do legislativo com sete vereadores aliados, com o apoio do governo do estado que é do mesmo partido, com o apoio dos sindicatos e das associações comunitárias rurais e urbanas, se não todas, mas com a grande maioria.

Para corroborar com a afirmativa acima, registra-se que os correligionários de Martins tinham tanta certeza na vitória eleitoral que passaram a propor grandes apostas, oferecendo enormes vantagens de votos aos adversários, chegando a ser oferecido dois mil votos pró Marcos Martins. E neste diapasão, teve aliado que apostou carro, motocicleta, casa e muito dinheiro em espécie; dizem até que um único defensor da candidatura de Martins apostou a vultosa cifra de 100 mil reais com os apoiadores da candidatura de Gomes, sempre oferendo ampla vantagem de votos.

Com tudo, a figura de “mito” construída ao logo do tempo se desfez num piscar de olhos! Em virtude da autoconfiança e de uma certeza indubitável de que não seria alcançado pela justiça e tampouco seria derrotado nas urnas pelo voto popular, Martins foi surpreendido repentinamente com dois fatos contrários ao seu poderio quase que absoluto: faltando apenas quatro dias da eleição, a justiça eleitoral cancelou o registro da candidatura do vice e a dele. E, no domingo, os eleitores o rejeitaram nas urnas com uma diferença pró Gomes de 385 votos. Como se costuma dizer no ditado popular: “além da queda, um coice”!

Desse modo, a figura de “mito” que ascendera no final do século passado e que parecia indestrutível, não resistiu à realidade das ruas e nem das urnas! Descobriu-se que o “mito” era de barro e que poderia ser quebrado. E foi! 

Da Redação
Do ExpressoPB

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