A nossa primeira constituição republicana, promulgada em 1891, somente com uma emenda de 1926 veio a proclamar a independência e harmonia entre os poderes, inclusive, a sua restauração, como motivo de intervenção federal nos estados membros. Todavia, a desarmonia prevaleceu mais tempo que a harmonia preconizada pela Lei Maior. As rusgas, as idiossincrasias entre titulares de cada um dos poderes ou entre seus colegiados e o Executivo, foram registradas ao longo da história republicana. Os motivos sempre foram de natureza política e/ou econômica. Brigam por seus partidos ou por fatias maiores do orçamento. O executivo arrecada e os demais ajudam a gastar. Comparo esse cenário a uma família que mantém conta conjunta. O pai/provedor credita, a mulher e os filhos debitam. A Paraíba não poderia ficar ausente desse panorama, tanto no passado, quanto no presente.
Volvendo aos primórdios da República e início do Século XX, encontramos na presidência deste Estado o paraibano nascido nesta capital, Antonio Alfredo da Gama e Melo que antes, na qualidade de vice-presidente da Província, nomeado pela Carta Imperial de 1880, assumira por cinco vezes os seus destinos. Era acusado pela oposição de trabalhar em surdina pela restauração, isto é, a volta da Monarquia, à qual servira no passado. Em batalha permanente com a Assembléia, conta no Jornal do Comércio do Rio, um anônimo C.A., seu propósito de “vingança contra os republicanos”. O diário O Commercio, órgão dirigido por Arthur Aquilles, transcreve o artigo na página 2, da sua edição de 8 de maio de 1900:
“O Poder Executivo da Parahyba não vive em harmonia com o poder legislativo. Não posso contar ao leitor as rusgas domesticas daquelle Estado. Contente-se com saber que o governador ou presidente não morre de amores pela Assembléia estadual e que os deputados lhe pagão na mesma moeda.Chegou a vez do presidente atrapalhar um pouco a vida dos seus adversários. S.Excia meditava uma dessas vinganças estrondosas que abaixão por toda a vida a crista do inimigo, e mostrão ao mundo, com uma evidencia assustadora que o poder é o poder.Longos dias, compridas noites, o governo levou a preparar a tremenda calamidade que de uma vez para sempre aniquillasse os contrários. Em fim, ou por ter maduramente pensado sobre o caso ou porque o terrível Deus das vindictas lhe inspirasse a idéia soberba- o Governo dilatou num sorriso de satisfação cruel a carranca das cogitações pavorosas. O Governo achara o meio decisivo de humilhar a opposição. Aproximava-se o dia da reunião da Assembléia. Chegara, pois, o momento do golpe terrível, que já, e com toda a força, cahio sobre os imprudentes.O Presidente venceu. Contou o telegrapfo que se realizou o plano de S. Ex. plano que nunca sahio da cabeça dos Cavours e dos Bismarcks. Este plano transformou completamente os negócios da Parahyba”… “O Governo, diz um telegrama de A Noticia, est&aa cute; mudando os moveis da Assembléia para o andar superior do Lyceo, afim de evitar o funcionamento dos deputados republicanos”… “Não há duvida é uma vingança de mestre.Quem olhar desattentamente para o facto, notará apenas uma simples mudança de mobília; achará pandego o afan com que a mão do poder, mudada em mão de carregador, vai apressadamente levando cadeiras e mesas.Mas essa mudança de trastes é também uma profunda mudança política.Perece a primeira vista infantil e despique”. E conclui: “Uma Assembléia sem trastes é uma Assembléia sem influencia. A Augusta sala das sessões reduzida a sala de republica de estudantes pobres, não impressionará a galeria”.
Essa verdadeira picuinha, miúda e própria das províncias sem educação política, foi perpetrada por um filósofo e escritor que virou patrono de cadeira da Academia Paraibana de Letras. Ligado ao Marechal Floriano Peixoto que o conheceu como vizinho e com quem costumava jogar gamão nas calçadas da rua General Osório (Rua Nova), Gama e Melo teria recusado convite para ser ministro da Justiça, e se negou, igualmente, a participar da Junta Governativa que governaria a Paraíba na instalação da Republica entre nós.Indicou o nome de Eugenio Toscano de Brito. A oposição, como já disse, acusava Gama e Melo de tramar contra a República, defendendo a restauração da Monarquia. “Procurou fingir-se extremo republicano para tirar o máximo de proveito através do marechal Floriano Peixoto e do seu preposto Álvaro Machado para que pudesse, em surdina, ir minando o nosso regime republicano no intuito de oportunamente erguer sobre as ruínas deste, a Monarchia”.
O jornal de Arthur Achilles era impiedoso com o governo de Gama e Melo. Lembra o periódico que a República cumpria sua primeira década de existência e “Durante este período da historia da Parahyba não se registra uma administração mais desastrada e criminosa que a do Sr. Dr. Antonio Alfredo da Gama e Melo”.
Imaginem de eu fosse falar da desarmonia entre os poderes nos tempos atuais. Mas essa é outra historia. (OBS. Nas transcrições mantive a grafia da época. A citação “dos Cavours e dos Bismarcks” é referência a Camilo Bento Cavour (1810/1861), primeiro ministro da Itália e a Otto Von Bismarck, (1815/1898) estadista alemão).
Ramalho Leite
Jornalista/Ex-Deputado – Colunista