O patrimônio de Nossa Senhora do Livramento era considerável. Até um engenho de cachaça e rapadura estava incluído entre os bens da Paróquia. Em alguns empreendimentos, a Sociedade São Vicente de Paulo era sua sócia preferida. Como no caso da instalação do Cine Excelsior, um investimento de quase cinqüenta mil cruzeiros, tendo a SSVP participado com a metade. Dos lucros, porém, trinta por cento ficariam de reserva para futuros melhoramentos. O prédio fora cedido, gratuitamente, pelo Município e, permaneceria em poder da Paróquia, enquanto ali funcionasse o Cinema do Padre, como se tornou conhecido.
Lembro que, a certa altura de sua história, a tela já encardida da poeira levantada pelos bandos de índios a perseguir cowboys e marcada pelo chicote do Zorro, a prefeitura questionou os direitos do padre Zé Diniz e tentou lhe tomar o prédio. Meu pai, vereador representante do distrito de Borborema e, portanto, mais afastado das querelas da sede municipal, tomou a defesa do vigário e negociou um acordo. A paróquia faria uma ampla reforma nas dependências do cinema e a edilidade ampliaria o prazo do comodato. Felizes as partes, o vigário Zé Diniz, agradecido, e sabendo ser o vereador Arlindo Ramalho um apaixonado pela sétima arte, lhe prometeu gratuidade para ingresso no cinema até o final dos séculos. A promessa não se concretizou: meu pai nunca deixou de pagar pelo seu ingresso e os dos circunstantes que o cercavam no desejo de assistir à fita. O cinema fechou e o prédio voltou ao patrimônio municipal.
O Livro do Tombo registra: “Foi inaugurado, nesta cidade de Bananeiras, na primeira semana de outubro de 1949, dia 8, o Cine Teatro Excelsior, pertencente ao patrimônio da Matriz de N. Senhora do Livramento e à Sociedade São Vicente de Paulo, da mesma Matriz de Bananeiras.Pelo que ficou estabelecido e aprovado em ata, pelos confrades vicentinos, a Sociedade entrou com uma parte das despesas, fazendo o mesmo, o Patrimônio da Matriz de Bananeiras, com a condição dos lucros serem divididos em partes iguais” . Segue-se o arrolamento dos bens depositados no aludido prédio. E termin a a anotação: “ Para constar, eu que realizei esta idéia, para facilitar meios destinados a fins sociais e caritativos da Paróquia,subscrevo-me com o presidente em exercício da SSVP, em 1 de janeiro de 1950”.
Manuseando o Livro de Tombo encontrei outro manuscrito bem interessante, datado de 6 de junho de 1938: “O dr. José Amancio Ramalho, empresário da Uzina Hidroelétrica de Borburema, mandou desligar a luz da Igreja Matriz desta cidade de Bananeiras em 2 de junho de 1938. O pretexto que apresentou foi que quando a luz da Igreja é ligada faz baixar a iluminação pública dando assim ensejo a que o prefeito multe a Empreza todas as vezes que deste modo sucede.O mais interessante é que há oito anos, desde 1930, que a iluminação da Matriz foi reformada e ligada à Uzina da Empreza sob a gerencia do Sr. Frederico Kramer, sem nunca ter sido alterada, com relação a distribuição e quantidade de luz consumida e somente, agora, em 1938 viria prejudicar os interesses da Empreza com relação ao fornecimento da luz publica”. ( Mantive nas transcrições a grafia da época)
Destaco, aqui, a referência ao alemão Frederico Kramer que, desde o inicio dos anos 1920 instalou-se no brejo paraibano. Em 1922, por motivos de saúde, regressou à Alemanha e de lá trouxe seu irmão Haris Kramer, que casou com dona Alzira Lucena e deixou muitos descendentes entre nós. Ambos eram mecânicos dos melhores e, participaram da montagem da Usina Hidroelétrica de Borborema, a terceira da modalidade na América Latina.
O Livro de Tombo também esclarece aos fies que, o mosaico existente à entrada da Igreja Matriz, com a data de 1 de 1 de 1861, refere-se ao início das obras de construção do templo,a partir do esforço do padre Ibiapina. No ano anterior, o governador Silva Nunes, em visita a Vila de Bananeiras, registrava suas desculpas por não ter recursos para contribuir com aquela obra e contentou-se em visitar a capela dedicada ao Sagrado Coração de Jesus.Há quem conte que os barões do café, além do contributo em dinheiro, carregaram pedras e tijolos para erguer a bela Matriz de Bananeiras que hoje conhecemos. Com isso, cada ilustre família ganhou uma tribuna, de onde as sistiam ao culto religioso. Padre Zé Diniz não registrou no Livro de Tombo, mas se sabe, foi o autor da feliz idéia de derrubar as tribunas e colocar todos iguais perante Deus e os ritos católicos.
Ramalho Leite
Jornalista/Ex-Deputado – Colunista