O episódio recente envolvendo um fã ferido durante o show de um cantor de forró em Marí expõe muito mais do que uma tragédia individual: revela um modelo de entretenimento baseado no improviso, no risco e na banalização de condutas que deveriam ser inaceitáveis em qualquer manifestação cultural.
Em vídeo divulgado em seu próprio perfil, o artista aparece despejando bebida alcoólica diretamente na boca de um fã convidado ao palco, transformando a cena em uma espécie de “competição divertida”. O resultado foi desastroso: o jovem caiu da estrutura, sofreu ferimentos graves e levou para casa não lembranças de festa, mas cicatrizes físicas e emocionais. Ainda que versões diferentes disputem a narrativa, se foi empurrão ou escorregão, o fato central permanece: não havia segurança suficiente para proteger quem estava sob a luz dos refletores.
Esse tipo de prática escancara um problema maior. O palco, que deveria ser espaço de expressão artística, às vezes tem sido reduzido a arenas de espetáculo instantâneo, em que o impacto vale mais do que a música, e a exposição ao risco se disfarça de entretenimento. Quando o consumo de álcool se transforma em coreografia de show, o que se normaliza não é a diversão, mas o descuido.
Os números mostram a gravidade da questão. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE/IBGE, 2019), 63% dos adolescentes de 13 a 17 anos já experimentaram bebidas alcoólicas, e cerca de 50% dos que bebem relataram episódios de embriaguez. Entre adultos, o Relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2023) alerta que quase 40% da população brasileira consome álcool em níveis de risco, e o país figura entre os de maior prevalência de “beber pesado episódico” na América Latina. Ou seja, a cena banalizada no palco dialoga diretamente com uma epidemia silenciosa de abuso de álcool no país.
Não se trata de moralismo. Trata-se de responsabilidade. O artista que convida pessoas ao palco assume simbolicamente a tutela sobre elas. É sua música que move, é sua voz que chama, é sua equipe que conduz. Se o resultado é um fã ensanguentado, não há justificativa que apague a cena. A cultura perde quando o forró, expressão de identidade, festa e afeto, é associado a possível agressão, imprudência e insegurança.
É justamente nesse ponto que precisamos resgatar o papel transformador da cultura. A música, a dança, o teatro e todas as manifestações populares têm potência para unir, educar e fortalecer vínculos comunitários. O palco pode, e deve, ser espaço de inspiração, não de incentivo a condutas de risco. Quando investimos em cultura como política pública, combatemos diretamente as mazelas sociais: o ócio improdutivo, a violência, o consumo abusivo de drogas e a exclusão.
O episódio de Marí é um alerta. É hora de repensar práticas que expõem vidas em nome de likes, visualizações ou aplausos fáceis. O público merece respeito. A música merece respeito. E o palco, acima de tudo, deve ser um lugar de encontro e celebração, jamais de violência e dor.
Redação/Por Manuel Batista – Ativista Cultural
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