Inflação de alimentos é fenômeno de longo prazo e reforma agrária é forma de enfrentá-la, sustenta o professor Marco Antonio Mitidiero Junior
A política de juros do Banco Central “é talvez o maior esquema da história de extração e de pilhagem dos fundos públicos”, disse o professor Marco Antonio Mitidiero Junior em audiência pública promovida na Câmara a pedido do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
O evento aconteceu na Comissão de Finanças e Tributação. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não compareceu alegando que já tem depoimento marcado no Congresso. O Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, não mandou representante alegando “problema de agenda”.
Doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, Mitidiero é professor na Universidade Federal da Paraíba.
Ele focou sua fala na inflação dos alimentos.
“Eu estou vendo aí muita gente comemorando a redução da cesta básica. A oscilação conjuntural do preço dos alimentos é da natureza da atividade econômica, ela oscila mesmo, por isso a gente precisa de um tempo longo. E aí, se a gente for pegar os últimos 16 anos, a inflação de alimentos chegou na casa de 230%, enquanto o IPCA chegou a 141%. Então a alimentação é tida como o vilão da inflação no país que se coloca como grande produtor de alimentos no mundo. Essa contradição não engana mais ninguém”, afirmou Mitidiero.
Mitidiero dá como exemplo a carne, que de 2007 a 2019 subiu 281% no Brasil. O professor afirma que este aumento não se deu em função do aumento da demanda interna, mas pelo incentivo tributário à exportação.
“Aumento da demanda num país que tem 33 milhões de pessoas passando fome, 100 milhões com algum nível de insegurança alimentar? Eu vou justificar aumento da demanda com quase 80% das famílias brasileiras endividadas?”, perguntou.
Mitidiero também negou que este aumento de longo prazo tenha sido causado por mudanças climáticas ou pela guerra da Ucrânia, que só começou em 2022.
Segundo ele, um dos problemas é a concentração fundiária.
“Nós temos uma concentração fundiária absurda. Dos 351 milhões de hectares que o IBGE levantou, 1% dos estabelecimentos abocanha metade da terra agrícola, 47,7 % para ser exato. Isso é uma absurda concentração fundiária. Mas alguém poderia falar, eles concentram mas estão produzindo, estão exportando. Não, não é isso que acontece. O último dado que nós temos é de 2003, de 20 anos atrás. 216 milhões de hectares foram declarados pelos próprios proprietários como improdutivos”, informou.
O professor calcula que o Brasil tenha hoje de 250 a 300 milhões de hectares improdutivos.
Uma das soluções, segundo ele, seria fazer uma reforma agrária massiva. Mitidiero pesquisou os 60 alimentos mais consumidos pelos brasileiros e descobriu que 51 deles são produzidos pela agricultura familiar, que seria impulsionada em caso de reforma agrária.
O segundo ponto para baixar o preço dos alimentos seria enfrentar a Lei Kandir, que o professor definiu como “um Robin Hood ao contrário”.
A lei, batizada com o nome do ex-ministro Antonio Kandir, foi implementada em 1996, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, beneficiando a exportação de commodities.
“O setor do agronegócio, para resumir, não paga imposto. Eles participam com 1,5% no PIB. E o economista André Roncaglia publicou um artigo na Folha de São Paulo que o subtítulo é: o agronegócio é o único setor em que os benefícios tributários superam a sua participação no PIB”, afirmou Mitidiero.
Ele acrescentou, sobre a Lei Kandir: “Ela faz com que grande parte dos produtos sejam exportados. Você não paga imposto para exportar, você não paga ICMS para exportar e, portanto, o filão do mercado do produtor é exportar para a China e para outros países”.
As consequências internas: “O que vem acontecendo? Produtores deixam de produzir arroz, é isso que a Lei Kandir causa diretamente, deixa de produzir arroz e feijão para produzir soja para o mercado internacional — e é óbvio que o preço sobe”.
O professor sustenta que, como consequência de longo prazo, houve redução das áreas plantadas de arroz, feijão, mandioca, abóbora e muitos outros alimentos.
De acordo com o pesquisador, a distribuição e comercialização de alimentos concentrada é outra causa da inflação de longo prazo. O Brasil abriga empresas gigantes no setor, como Cargill, Bunge, a chinesa Cofco, Comexport e Timbro.
“Uma concentração absoluta, muito forte, sobretudo no governo anterior [de Jair Bolsonaro], com a implosão da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e da política de abastecimento. Fecharam os armazéns, o estoque regulador”, disse Mitidiero
Acrescentou que “hoje no Brasil não temos estoque, nós vivemos durante a pandemia o medo de não ter arroz, porque não tinha estoque. Por outro lado, algumas empresas de comercialização tem [alimento] estocado e não nos informam, especulam no mercado com esses estoques de grãos e de outros alimentos”.
Finalmente, a inflação de longo prazo dos alimentos no Brasil é causada pela “comoditização da alimentação”.
O professor usou a frase “moinho satânico” para definí-la.
“O capital financeiro se expandiu para todas as esferas da vida. Antes ele não determinava, por exemplo, a Educação, hoje ele está dentro da Educação. Ele não determinava o setor da alimentação e hoje o capital financeiro determina. Então nós temos o capital financeiro para remunerar. Isso pressiona os preços. E aí o camarada que está lá na Alemanha, ele pode ficar investindo em commodities e querendo lucro com o que é produzido no Brasil”, afirmou Mitidiero.
“A tal da soja brasileira, é um mito que se criou, quem compra são as trades internacionais. A soja é brasileira, saiu da porteira ela já é do capital internacional”, finalizou.
Redação/Forum