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Vale Tudo se perde no exagero e transforma clássico em piada de mau gosto

Em sua reta final, Vale Tudo se consolidou como um dos remakes mais comentados –e criticados– da Globo. A novela, que nasceu com a ambição de revisitar o maior clássico da teledramaturgia nacional, acabou virando alvo de piadas nas redes sociais. Apesar da recuperação na audiência em seus últimos capítulos, a versão atual do folhetim deixou uma sensação incômoda: a de que o ímpeto de modernizar acabou sufocando o equilíbrio que fez da trama original um marco em 1988.

A promessa era atualizar temas como corrupção, desigualdade e ética no Brasil contemporâneo. O que se viu, no entanto, foi uma sucessão de escolhas duvidosas que afastaram o público da narrativa.

Entre elas, está a transformação de Marco Aurélio (Alexandre Nero), que antes era um vilão frio e calculista, em um tipo quase cômico, com trejeitos e falas caricatas, que desarmaram o impacto de um dos personagens mais emblemáticos da TV.

Outro ponto que causou estranhamento e foi comentado até pelo viúvo de Gilberto Braga (1945-2021) foi o tom abertamente sexual de Odete Roitman. A personagem, símbolo da frieza e do poder no original, passou a ser retratada com um apetite sexual que destoou da figura implacável criada por Beatriz Segall.

Apesar de atualizar a vilã e dar a ela um ar mais moderno e a possibilidade de trabalhar a liberdade sexual da mulher, o texto reduziu Odete a um estereótipo em vez de reforçar sua complexidade.

As inserções publicitárias também se tornaram um espetáculo à parte, e não no bom sentido. Cenas sérias foram interrompidas por merchandisings escancarados, que tiravam o público do drama e o colocavam num comercial improvisado. A mistura de tragédia com propaganda expôs a dificuldade da novela em equilibrar realismo e rentabilidade.

Quando Afonso (Humberto Carrão) encara as dores de um câncer sério, ele se vê falando sobre os benefícios de uma marca de fraldas ou elogiando o amaciante que Solange (Alice Wegmann) usa para lavar roupas. Claro que o público não encarou a versão garoto-propaganda do personagem com bons olhos, já que as publis destoaram da trama de maneira gritante.

A condução do mistério em torno do assassinato de Odete Roitman, um dos momentos mais aguardados, virou motivo de memes. Em vez de suspense e sutileza, o remake apostou em uma corrida desordenada de suspeitos e depoimentos mirabolantes, num ritmo tão apressado que a tensão desapareceu. O que antes era um clímax calculado virou um desfile de absurdos.

Os furos de roteiro também contribuíram para o desgaste. Quem coloca suspeitos para falar sobre um crime sem um advogado ao lado? Como, no início da novela, tantos personagens viam a tatuagem de Raquel (Taís Araujo) para Fátima (Bella Campos) e não sacavam a conexão das duas?

Fora aqueles que mudavam de comportamento sem explicação, as tramas paralelas que surgiam e sumiam, e decisões que deveriam ter peso, como o arco final da então protagonista, se diluíam em meio a confusões narrativas.

Raquel, inclusive, foi totalmente escanteada ao longo dos capítulos: sua trajetória perdeu força, e sua pobreza repentina tirou o sentido da virada que consagrou Regina Duarte na primeira versão.

O remake de Manuela Dias esqueceu que Vale Tudo nunca precisou de pirotecnia e efeitos especiais para provocar reflexão. A força da história original estava justamente no subtexto, no silêncio, na ironia –tudo o que a nova versão trocou por velocidade e barulho.

No fim, a eterna “novela das novelas” virou uma caricatura de si mesma: barulhenta, confusa e tão preocupada em ser moderna que acabou se tornando apenas mais um produto esquecível. O público ainda assiste, mas com riso nervoso, não por engajamento, e sim porque Vale Tudo perdeu o controle.

Da redação/ Com Notícias da TV

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