Os bastidores da política de Mari, cidade do interior paraibano, parecem saídos de um roteiro já conhecido: uma estrutura de poder que se recusa a sair de cena mesmo depois do fim do espetáculo eleitoral. E o nome que hoje ocupa o papel de “culpada oficial” — a prefeita Lucinha da Saúde — pode, na verdade, estar sendo vítima de um jogo cruel e silencioso.
Nos últimos dias, a cidade vem sendo sacudida por revelações de uma denúncia formal que aponta um aumento explosivo — 157% — na distribuição de botijões de gás durante o ano eleitoral. Segundo um empresário local, os botijões foram entregues, inclusive, durante o período da campanha, em nome da Secretaria de Ação Social. O que ninguém questiona, porém, é o óbvio: quem era o prefeito da cidade naquele momento? Quem autorizou essas compras? Quem geria a estrutura que hoje está no centro da polêmica?
A resposta está nos autos, nos registros e nos fatos: o prefeito à época era Antônio Gomes da Silva, mentor político e padrinho da atual gestora. Ele não era um observador distante — era o chefe do Executivo. Foi ele quem assinou contratos, nomeou secretários, controlou a máquina e empurrou Lucinha para a linha de frente como símbolo de “continuidade”. Mas, ao que tudo indica, queria continuar ele mesmo — pelas mãos dela.
Como se não bastasse a denúncia dos botijões, agora vem à tona outro escândalo, ainda mais robusto: o Ministério Público da Paraíba abriu procedimento para investigar uma licitação da Prefeitura de Mari, no valor de R$ 2.791.800,00, destinada à aquisição de combustíveis para a frota municipal. A bomba? O contrato foi homologado no apagar das luzes da gestão de Antônio Gomes, no dia 18 de dezembro de 2024, já às vésperas da posse de Lucinha.
São fatos graves, com potencial de manchar uma gestão antes mesmo de começar. Mas, mais grave ainda, é o silêncio em torno das verdadeiras responsabilidades. Quem assinou esse contrato milionário? Quem era o prefeito na data da homologação? Por que Lucinha, que sequer havia assumido o cargo, agora carrega o peso de decisões que não foram suas?
O sistema parece ter sido desenhado para isso: entregar o mandato, mas não o poder. Deixar a cadeira, mas manter os tentáculos. Transformar a prefeita eleita em figura decorativa — e, agora, em bode expiatório. Porque, para muitos, é mais fácil entregar Lucinha à fogueira da opinião pública do que expor o verdadeiro maestro dessa ópera silenciosa.
Lucinha, com sua simplicidade e sem grandes alianças históricas, parece ter sido levada pela esperança de construir um mandato com voz própria. Mas caiu em uma armadilha montada por quem já conhecia cada engrenagem da máquina pública. Não foi cúmplice. Foi capturada. Não governou. Foi manobrada.
Se há verdade a ser revelada, que ela venha. Mas que venha toda. Porque se for para fazer justiça, que ela atinja todos os responsáveis — e não apenas quem talvez tenha acreditado, ingenuamente, que bastava sentar na cadeira para começar a governar. Porque, quando um sistema se vale da ingenuidade de uma liderança para tentar continuar exercendo o poder nas sombras, não estamos diante de uma prefeita irresponsável — estamos diante de uma vítima do jogo mais sujo da política local.
E se for para haver responsabilização, que ela venha de forma ampla e verdadeira. Porque a pergunta que ecoa em Mari, e que precisa ser respondida com coragem é: quantos cairão com Lucinha? E quantos ainda tentam ficar de pé, mesmo com as mãos mergulhadas nas decisões que agora vêm à tona?
Editorial/ExpressoPB – 02/06/2025





