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Morre José Mujica, o ousado político uruguaio que foi o ‘presidente mais pobre do mundo’

Não era nem meio-dia quando José Mujica nos surpreendeu oferecendo “um gole de whisky”, logo após uma entrevista em sua casa, em 2012, quando estava na metade de seu mandato como presidente do Uruguai.

Lavou alguns copos, colocou gelo e os encheu generosamente com a bebida. Depois, distribuiu as doses, e iniciou uma conversa descontraída que pulava de um assunto para outro.

“Da política vou sair com os pés na frente”, disse naquela ocasião à BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC — o ex-guerrilheiro tupamaro, que governou o Uruguai entre 2010 e 2015.

Como isso, Mujica queria dizer que pretendia se dedicar à atividade que abraçou ainda jovem até a hora de sua morte – anunciada nesta terça-feira (13/5) pelo presidente uruguaio, Yamandú Orsi, em mensagem pelo X (antigo Twitter). Mujica tinha 89 anos.

Pela simplicidade que viveu como presidente, suas críticas ao consumismo e as reformas sociais que promoveu — incluindo a que fez do Uruguai o primeiro país do mundo a legalizar a maconha —, Mujica foi uma figura emblemática para a esquerda da América Latina.

parte do Estado.

Mujica garantia que nunca tinha experimentado cannabis e que legalizá-la não estava em seus planos como presidente. Mas, durante seu mandato, optou pela legalização, argumentando que a proibição havia fracassado e que queria resgatar parte do mercado das mãos do narcotráfico.

Por essas ações, recebeu elogios de liberais como o vencedor do Nobel de Literatura peruano, Mario Vargas Llosa, além de ter sido indicado entre as 100 personalidades mais influentes de 2013 pela revista Time. O Uruguai também foi nomeado o país do ano pela revista britânica The Economist.

Mujica entrelaçando as mãos. Ao fundo, várias árvores

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Mujica tinha uma vida simples em uma chácara nos arredores de Montividéu, onde morava com a esposa

Um sheik árabe chegou a oferecer a Mujica um milhão de dólares pelo seu carro — que ele recusou —, mas o ex-presidente do Uruguai manteve o fusca, que se tornou um dos seus grandes símbolos. Em alguns países que visitou após deixar a presidência, como Guatemala e Turquia, ele foi recebido com fuscas no aeroporto. E se mostrava surpreso com tanta fama.

“O que chama tanta atenção do mundo? Que vivo com pouca coisa, em uma casa simples, que dirijo um carro velho? Essas são as novidades? Então este mundo está louco porque se surpreende com o normal”, disse.

Também afirmou que sua forma de governar estava em sintonia com as tradições republicanas e liberais que o Uruguai cultivou no começo do século XX.

O auge de sua figura coincidiu com um desencanto com os políticos tradicionais em muitos países e um vazio que Mujica ocupou parcialmente na esquerda da América Latina, após a morte de Chávez, na Venezuela, e das denúncias de corrupção envolvendo Lula, no Brasil.

A morte

Mujica também será lembrado por comentários polêmicos que fez quando era chefe de Estado.

“Essa velha é pior que o vesgo”, disse em 2013, em referência à então presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e seu falecido marido, Néstor Kirchner, sem notar que tinha um microfone escondido.

Durante a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, disse que os dirigentes da FIFA eram “um bando de velhos filhos da puta”, após sanção imposta ao uruguaio Luis Suárez, que mordeu um rival durante um jogo.

Ao mesmo tempo, os discursos de Mujica incorporavam referências a temas como o amor, a felicidade, às vezes em tom de autoajuda.

“A cada manhã que você se levantar, pense e faça um balanço de 10 minutos na sua cabeça, se o que você fez está certo ou errado”, aconselhou Mujica a milhares de jovens que o ovacionaram na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), meses depois de deixar a presidência.

Mujica com uma bengala

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Mujica estava com câncer e morreu aos 89 anos

Também não lhe faltavam as referências à sua própria velhice e a proximidade da morte, aquela que acaba de chegar e que ele mesmo sugeria encarar como algo natural, sem dramas.

“Ninguém gosta da morte, mas, a certa altura da vida, você sabe que um pouco antes ou um pouco depois, ela vai chegar”, disse no livro “Uma ovelha negra no poder”, dos autores Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz.

“E, por favor, não vivam com medo da morte. A aceite como os bichos do mato. O mundo vai continuar girando e nada vai acontecer. Não vai ficar com todo esse medo à toa”, disse. “É preciso ser mais primitivo.”

Da redação/ Com BBC

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