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Afastamentos de PMs por questões de saúde mental sobem 700% em 5 anos, na PB: ‘Não conseguia dormir’

A Segurança Pública da Paraíba enfrenta um aumento do número de servidores afastados por problemas psicológicos. Dados obtidos pelo Núcleo de Dados da Rede Paraíba de Comunicação revelam o crescimento de 700% em afastamentos na Polícia Militar (PM) entre 2019 e 2023. Nos últimos cinco anos, 272 policiais precisaram deixar, temporariamente, a rotina de trabalho para tratamento da saúde mental.

Também por questões psicológicas, o Corpo de Bombeiros Militar registrou 50 afastamentos de servidores no mesmo período. A Polícia Civil não informou os dados solicitados. Os índices exclusivos solicitados via Lei de Acesso à Informação (LAI) ainda apresentaram dez mortes por suicídio de servidores de órgãos operativos de segurança no estado.

De acordo com Gustavo Batista, especialista em segurança pública, é um volume alto de suicídios. “Trata-se de um indicativo de que há algo errado na própria corporação, é necessário vislumbrar caminhos para uma reforma institucional, para que tenhamos instituições saudáveis e democráticas”, destaca.

Rotina e saúde mental

 

A saúde mental desses trabalhadores está exposta à rotina de homicídios, sequestros, assaltos e os demais fatores que envolvem a criminalidade. Somado a esses fatores, a hierarquia e a pressão de portar uma arma de fogo podem contribuir para fragilizar os servidores da corporação que enfrentam o policiamento ostensivo.

Marcelo (nome fictício*), inicialmente, não sentia sintomas que o levasse a suspeitas que estava doente, mas estava constantemente agitado e estressado. Como consequência, também não dormia bem, comprometendo a rotina dia após dia.

Ele trabalhava na área operacional da polícia e também foi socorrista do Samu. “Na verdade, eu acho que muita gente não sabe que tem problema mental. É difícil identificar. Eu acho que quem está de fora é que percebe e se você tiver com algum problema, é preciso procurar ajuda o quanto antes. Eu descobri da pior forma e hoje quando eu vejo alguém com alguma coisa de errado eu já chamo para conversar, procuro entender”, desabafa Marcelo.

No dia a dia da profissão, apesar do trabalho intenso, Marcelo não sentia sintomas. “Se eu estivesse na rua para proteger, no serviço policial eu estava pronto, em condições. E quando eu ia fazer a parte de socorrista, da mesma forma. Só mudava o serviço. Eu estava protegendo a sociedade, eu estava salvando vidas. E totalmente satisfeito com o que eu fazia. O problema era quando era para relaxar, na minha folga. Não dormia direito. Não conseguia dormir”, detalha.

Foram cinco anos afastado das atividades policiais para cuidar da mente. Procurou ajuda quando começou a passar mal com os sintomas de taquicardia, suor frio e sensação de impaciência. No início, fez tratamento particular, mas em seguida, migrou para o Espaço Viver Bem, com suporte fornecido pela Polícia Militar.

“A questão todinha é você aceitar que está doente e procurar a sua melhora”, enfatiza.

Suporte das corporações é fundamental

 

Os profissionais da segurança pública, apesar de viverem constantemente em um trabalho intenso e com pressão excessiva, têm disponível um suporte de saúde física e mental, o que é essencial para um controle mais próximo.

No entanto, o número de afastamento ainda assusta. Só na Polícia Militar, o crescimento foi muito gradativo e exponencial, apresentando um aumento ainda maior após a pandemia da Covid-19. Em 2019, 17 policiais foram afastados das atividades por problemas psicológicos. O número subiu para 23 em 2020 e para 24 em 2021. Os maiores picos aparecem em 2022 e 2023, com 69 e 139 afastamentos, respectivamente.

Para dar suporte a esses e outros policiais que sentem precisar de ajuda psicológica, bem como os dependentes de cada um deles, a Polícia Militar mantém há oito anos um trabalho de assistência à saúde mental no Espaço Viver Bem. O projeto tem unidades, atualmente, localizadas em João Pessoa, Campina Grande e Patos.

De acordo com a capitã Gisele Suminsk, diretora do Espaço Viver Bem da Polícia Militar, as demandas no local são diversas, principalmente após a pandemia: sintomas de ansiedade, estresse e depressão.

“Quando um policial militar coloca a farda, ele não sabe as ocorrências que ele vai encontrar. Pode acontecer tudo, porque você está lá, fardado e a sociedade vai lhe procurar para resolver conflitos sociais mais diversos. Pode envolver morte, briga de trânsito, algo simples que pode vir a se complicar. Isso pode gerar estresse e ansiedade”, detalha a capitã Gisele.

A princípio, houve bastante resistência para buscar o serviço, mas com o sigilo oferecido, aos poucos, os policiais procuram o Espaço, fazem os atendimentos e a informação do atendimento vai se disseminando.

“Hoje nossa maior demanda são questões de transtorno de ansiedade”, enfatiza a capitã Gisele. Ela destaca que, além dos sintomas mais comuns, o Espaço também mantém apoio a um grupo de apoio a dependentes químicos dentro da corporação. Atualmente, o grupo recebe em torno de 12 policiais militares, ativos e inativos.

Ao solicitar os dados de afastamento à Polícia Civil, o Núcleo de Dados da Rede Paraíba de Comunicação recebeu a seguinte resposta: “A resposta a esse questionamento fica prejudicada pelo fato da junta médica do estado da Paraíba não apor aos laudos médicos fornecidos aos servidores e encaminhados à Unidade de Recursos Humanos da Polícia Civil, a correspondente Classificação Internacional de Doenças CID”.

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