‘Há risco altíssimo de bomba atômica ser detonada por erro’, diz Nobel da Paz

Publicado em domingo, setembro 10, 2023 · Comentar 


Em momento de grande tensão internacional, Carlos Umaña, um dos principais nomes na luta contra as armas nucleares, acredita que uma forma de acabar com elas é através da estigmatização.

O médico Carlos Umaña nasceu na Costa Rica, um país que não mantém forças militares. Ainda assim, ele acumula vasto conhecimento sobre as armas nucleares existentes atualmente — e sobre o risco não só de que elas sejam usadas mas de que sejam ativadas por acidente, por erro humano ou pela ação de hackers.

Umaña é uma das maiores referências na luta pela eliminação dos arsenais nucleares, um caminho que, segundo ele, depende da sua estigmatização e da conscientização sobre os riscos da narrativa atual.

Para ele, a postura de “bancar o mais valente com armas nucleares é algo incrivelmente perigoso, que coloca todos nós à beira de um precipício”.

Carlos Umaña é copresidente da Associação Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1985.

Ele próprio recebeu o prêmio em 2017, com a Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), à qual pertence.

A BBC News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — conversou com Carlos Umaña durante o evento Hay Festival Querétaro, que acontece no México entre 7 e 10 de setembro de 2023.

BBC – A invasão da Ucrânia pela Rússia fez renascer o medo da destruição em massa num mundo cada vez mais conectado e vulnerável. Estamos mais próximos do que nunca de uma guerra nuclear?

O dado mais famoso seria o Relógio do Apocalipse, do Boletim de Cientistas Atômicos. Neste ano, devido a esta guerra, ele está marcando 90 segundos para meia-noite, ou seja, o risco mais alto da história.

Este relógio mede o risco de uma destruição catastrófica pelas mãos humanas e seus ponteiros variaram ao longo da história. Quanto mais perto da meia-noite, maior o perigo.

Em 1963, com a crise dos mísseis de Cuba, ele esteve em sete minutos para meia-noite. Depois, em 1983, ficou em dois minutos. No final da Guerra Fria, faltavam 14 minutos.

BBC – Em um momento em que a retórica e as ameaças de uso de armas nucleares pela Rússia fizeram disparar todos os alarmes, o senhor acredita que os líderes estão conscientes das consequências de um conflito nuclear?

Umaña – Eles estão conscientes, mas este também é um jogo com o qual estão acostumados.

As consequências, sem dúvida, seriam devastadoras para o mundo.

Fala-se, por exemplo, de uma única detonação de uma arma nuclear como algo tático ou estratégico, como se uma bomba fosse algo pequeno. Mas, na verdade, não existem armas nucleares pequenas.

Se uma arma nuclear tática de cerca de 100 quilotons — que teria a potência de cinco ou seis bombas de Hiroshima — fosse detonada em uma cidade grande, ela teria o potencial de aniquilar imediatamente centenas de milhares de pessoas e deixar muitíssimas outras feridas.

E, quando falamos em feridos, estamos falando da síndrome aguda da radiação, que é a decomposição dos órgãos e dos sistemas vitais, um dos sofrimentos mais dolorosos que qualquer ser vivo pode atravessar.

BBC – E se ocorresse mais de uma detonação?

Umaña – Se falarmos em uma guerra nuclear em larga escala, além das dezenas de milhões de mortos e feridos, também seria criada uma enorme quantidade de fuligem e escombros, que subiriam até a estratosfera e bloqueariam a luz solar.

Este bloqueio, por sua vez, provocaria escuridão e uma queda drástica e súbita da temperatura, em média, de cerca de 25°C. É o que chamamos de inverno nuclear.

Assim, o que quer que sobrevivesse à devastação e à radiação precisaria também enfrentar o frio extremo e a ausência da luz solar.

BBC – Qual o risco de que isso aconteça?

Umaña – Este é o ponto crucial. Atualmente, o risco de falhas de interpretação e erros de cálculo é altíssimo.

Já observamos que, só nos Estados Unidos, ocorreram mais de 1.000 acidentes com arsenais nucleares e, em seis ocasiões publicamente conhecidas, estivemos à beira de uma guerra nuclear em larga escala, não em época de guerra, mas em tempos, entre aspas, de paz.

O que acontece? Dentre as 12,5 mil ogivas dos arsenais nucleares mundiais, existem cerca de 2.000 em estado de alerta máximo, ou seja, elas estão prontas para serem detonadas em um intervalo de cerca de 6 a 15 minutos.

Estes sistemas respondem a quem der a ordem de detoná-los. Eles dependem de sistemas de alerta máximo, que são vulneráveis a ciberataques, erros técnicos e erros humanos. Eles já confundiram coisas banais, como nuvens de tempestade, tempestades solares, bandos de gansos ou balões meteorológicos, com ameaças nucleares.

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