Superfungo: quais são os riscos de surtos de Candida auris no Brasil?

Publicado em terça-feira, maio 30, 2023 · Comentar 


Patógeno pode ser resistente aos medicamentos disponíveis e representa um risco, principalmente em hospitais

Um fungo perigoso, com alta mortalidade, o Candida auris preocupa, embora ainda seja negligenciado. A Secretaria da Saúde de Pernambuco confirmou três novos casos de pessoas infectadas pelo superfungo no domingo, 28, mas não identificou uma cadeia de transmissão que ligue os três pacientes.

A hipótese é de contaminação natural de cada um dos três, internados em hospitais diferentes.

No Brasil, pesquisadores contabilizam ao menos três surtos entre 2020 e o início deste ano. Eles alertam, porém, para a subnotificação da doença no país, em artigo publicado em janeiro na revista científica Frontiers in Cellular and Infection Microbiology.

O registro de novos casos em Pernambuco pode indicar um novo surto.

“Já tivemos casos no Recife anteriormente, mas até provarmos que a cepa não é a mesma, poderíamos [pensar em um novo surto]”, diz Manoel Marques Evangelista de Oliveira, pesquisador do Laboratório de Taxonomia, Bioquímica e Bioprospecção de Fungos do Instituto Oswaldo Cruz.

Segundo ele, a Fiocruz já está em contato com o grupo da Universidade Federal de Pernambuco, comandado pelo professor Reginaldo Gonçalves de Lima Neto, que atende à demanda dos hospitais.

Junto a outras três espécies (uma do mesmo gênero, o Candida albicans, conhecida por causar candidíase genital e “sapinho”), o Candida auris está na lista de fungos que apresentam risco à saúde pública, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

A infecção oportunista e invasiva causada por ele atinge principalmente pacientes imunossuprimidos (como pacientes oncológicos, transplantados e com HIV) e acamados em hospital por longos períodos.

Conforme a OMS, a levedura pode causar candidíase invasiva no sangue (candidemia), coração, sistema nervoso central, olhos, ossos e órgãos internos.

A mortalidade geral variou de 29% a 53%. “Pacientes com candidemia por C. auris permaneceram mais tempo no hospital ou na UTI do que aqueles com candidemia causada por outras Candida spp”, diz manual da organização internacional.

Nos Estados Unidos, um estudo descobriu que os registros de infecção passaram de 476 em 2019, para 756 em 2020, e, depois, para 1.471 em 2021. Ou seja, os casos triplicaram em três anos.

Os médicos também detectaram o fungo na pele de milhares de outros pacientes, com risco de transmissão para outros.

Eles associam o problema à sobrecarga do sistema da saúde com a pandemia, que tirou de foco a desinfecção de outros agentes nocivos que não fossem o novo coronavírus.

“Precisamos de investimentos [em pesquisa] e de ter mesmo a política sentinela. Esse trabalho publicado nos EUA demonstra a necessidade de que tenhamos um sistema sentinela operando no país para evitar esses problemas também aqui no Brasil, de aumento de casos”, diz Oliveira, que, junto de outros pesquisadores, descreveu o maior surto do fungo no Brasil, no Recife, no ano passado.

“Outra questão é que esses casos emergentes têm detecção muito vinculada à pesquisa. A redução de investimento na pesquisa no país limita os estudos”, acrescenta o cientista.

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Três surtos no Brasil

No artigo brasileiro, Oliveira e outros pesquisadores contabilizam três surtos desde 2020, dois em Salvador e o maior no Recife.

Ao Estadão, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou, em março, que “o primeiro caso de Candida auris confirmado no Brasil foi identificado em uma amostra de ponta de cateter venoso central retirado de um paciente internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto devido a complicações da Covid-19”.

O surto em hospital de Salvador, segundo a agência, foi notificado em dezembro de 2020 e resultou em 15 casos confirmados.

No ano seguinte, também em dezembro e novamente em Salvador, outro surto foi confirmado, mas, desta vez, com apenas um caso.

“Candida auris não é um microrganismo endêmico no Brasil. A ocorrência de um único caso em serviços de saúde já é considerado um surto”, explicou a Anvisa à época. Depois disso, não foram mais identificados novos casos nesses dois hospitais ou em outros serviços de saúde da Bahia.

Dos 48 confirmados do ano passado, a agência destaca que a grande maioria era de colonização, não infecção. Esse surto seguiu em monitoramento pelo hospital e pela rede nacional de identificação de C. auris por mais alguns meses, embora o último registro seja de setembro.

Mas como o C. auris passou a preocupar tanto?

“Era uma espécie que tinha o perfil ambiental, sofreu adaptação com as mudanças climáticas, de uma termotolerância [maior tolerância a variações de temperaturas]. Para uma levedura ser patogênica ao ser humano, precisa sobreviver na temperatura do corpo humano, em torno de 37°C”, diz o pesquisador da Fiocruz.

A espécie consegue crescer em temperaturas de 37°C a 42°C e também possui “notável capacidade de sobreviver a condições ambientais adversas por longos períodos”, conforme o artigo brasileiro.

Ela consegue se adaptar fora do hospedeiro humano — com alta capacidade de formação de biofilme (comunidade complexa e estruturada de células de fungos que se fixam em uma superfície). Isso aumenta o risco de surto hospitalar, pois a colonização e a infecção podem ter “origem ambiental”, como “dispositivos médicos contaminados e mãos de profissionais de saúde”.

Além disso, a espécie resistente à maioria dos medicamentos antifúngicos disponíveis e, de acordo coma OMS, algumas cepas são pan-resistentes (resistentes a todos os remédios). De 2009, quando foi registrada pela primeira vez no Japão, já se espalhou para quase todos os continentes. Só não chegou ainda à Antártida.

Assim como muitas doenças, a chave é o tempo, diz Evangelista de Oliveira. É preciso impedir que se passe da colonização — quando ela está presente no corpo sem causar infecção (vários microrganismos colonizam nossa microbiota intestinal, por exemplo) — para a infecção, marcada por quadros febris e com possibilidade de sequelas.

Diagnóstico e tratamento

Embora o C. auris tenha resistência intrínseca, o tratamento das infecções é feito com equinocandinas, embora outros antifúngicos, como os azólicos, possam ser usados, segundo a OMS. As equinocandinas, porém, só foram incluídas na lista de remédios essenciais (EML, na sigla em inglês) da agência em 2021, e ainda não estão disponíveis em muitos países.

Conforme relatam os pesquisadores brasileiros, a identificação de C. auris pode ser “problemática, pois os procedimentos diagnósticos convencionais, como plataformas/kits de identificação bioquímica padrão, não conseguem identificar tal espécie”.

Segundo Evangelista de Oliveira, medidas básicas de higiene e desinfecção permitem livrar uma unidade de saúde do fungo. Fora de hospitais, as medidas de higiene, diz ele, como lavar mãos com água e sabão, são bastante efetivas para conter a levedura.

 

Redação/ClickPB

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