O que diz especialista sobre projeto que favorece réu quando houver empate em julgamento

Publicado em domingo, abril 2, 2023 · Comentar 


Proposta determina decisão favorável ao réu quando julgamento ocorrer sem todos os membros do colegiado por impedimento ou suspeição, por exemplo

A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que prevê a adoção da decisão mais favorável ao réu nos julgamentos de todas as matérias penal ou processual penal quando houver empate. A proposta será enviada ao Senado.

Segundo o Projeto de Lei 3453/21, do deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), é assegurada também a expedição de habeas corpus, de ofício, por juiz ou tribunal ainda que sem o conhecimento da ação ou recurso contra coação ilegal.

O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Elmar Nascimento (União-BA). A proposta determina a proclamação imediata da decisão mais favorável no caso de empate, mesmo que o julgamento tenha ocorrido sem a totalidade dos integrantes do colegiado em razão de vaga aberta a ser preenchida, impedimento, suspeição ou ausência de membro.

As mudanças ocorrerão no Código de Processo Penal e na lei que institui normas procedimentais para determinados processos apresentados perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), como crimes de ação penal pública, habeas corpus e recursos.

Proposta pode dar celeridade à Justiça, diz advogado

O advogado criminalista Eduardo Luna explica que a chamada “presunção de inocência” – princípio previsto na Constituição Federal de 1988, no qual a proposta é baseada – é aplicavel em situações muito específicas.

Ele citou o caso da questão de ordem levantada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em relação a uma ação penal contra o ex-deputado federal André Moura, em 2021. Na ocasião, o julgamento da Corte – que tem 11 juízes – ficou empatado: cinco ministros foram favoráveis a absolvição do parlamentar e os outros cinco, contra, e o voto do último ministro ainda está pendente, o que levantou a hipótese do colegiado adotar a decisão favorável ao réu para concluir o julgamento.

“A proposta inclui expressamente na legislação processual a projeção do julgamento favorável na hipótese de empate em votações colegiadas que apresentam a peculiaridade de o órgão julgador não estar completo em sua composição (por exemplo, um dos julgadores está impedido de julgar, por relação de parentesco com o réu). Nesta hipótese, determina a proposta que seja aplicada a regra do “in dubio pro reo” (do latim “na dúvida, em favor do réu”). Em outra hipótese prevista na propositura legislativa, estando o colegiado a aguardar a nomeação do julgador faltante, deverá incidir igualmente a regra de julgamento favorável”, disse.

Para o advogado, a proposta de adotar decisão favorável ao réu pode ajudar a dar celeridade à Justiça.

“Certamente contribui para a ambicionada celeridade processual, ao tempo em que concretiza o importante princípio jusfundamental. Diante da constatação de empates, inclinados estamos a considerar a legitimidade da pronta aplicação do “in dubio pro reo”, sem que seja preciso aguardar que o órgão julgador reúna a integralidade de sua composição.

Habeas corpus

Quanto ao habeas corpus, o texto especifica que qualquer autoridade judicial, no âmbito de sua competência, poderá emiti-lo de ofício. O instrumento poderá ser de natureza individual ou coletiva e emitido no curso de qualquer processo quando a autoridade judicial verificar que alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por violação ao ordenamento jurídico.

Segundo o autor, o projeto não atende ninguém especificamente. “Nós temos de trazer a impessoalidade para este debate. Se a presunção de inocência vale para habeas corpus, como nós vamos justificar que não vale para recursos em matéria penal e processual penal? Todos os modelos são válidos, mas, no meu entendimento, o modelo que está em conformidade com a Constituição Federal é só este do projeto”, disse Rubens Pereira Júnior.

Princípio constitucional

Já o relator, Elmar Nascimento, destacou que o texto fecha lacunas. Ele ressaltou que, ao virar lei, o projeto impedirá o “congelamento” da proclamação da decisão por falta do voto de um dos membros de turma da magistratura.

“O primeiro princípio estudado no direito penal é o in dubio pro reo. Nesta Casa, há representantes de todos os segmentos, sabemos do intuito punitivo do Ministério Público de colocar todos sob a mesma régua, mas o projeto procura preservar um princípio constitucional”, afirmou.

Debate

Favorável ao projeto, o deputado Merlong Solano (PT-PI) criticou fragilidades da estrutura judiciária. “Nós precisamos colocar na lei aquilo que já está na jurisprudência do STJ e do STF. Para atingir objetivos políticos, principalmente de tirar o presidente Lula da eleição, a Lava Jato considerou normal o então juiz Sergio Moro orientar os promotores na construção das peças de acusação de um cidadão”, disse.

Contrário ao texto, o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) criticou o Supremo. “Todos sabem do nosso posicionamento a favor da punição severa a quem comete crimes. Mas temos um superpoder da República que age atropelando a legislação. Hoje temos vários parlamentares respondendo a notícias crimes, inclusive eu. Como votar uma medida para fortalecer o Judiciário em um momento como este?”, questionou.

Para o deputado Deltan Dallagnol (Pode-PR), o Supremo tem maioria para decidir no sentido contrário ao projeto. “Nós vamos aprovar um projeto que vai colocar bandido nas ruas, em um sistema já altamente injusto, onde sempre que o Ministério Público ganha não pode recorrer? Existe uma decisão do Supremo que já está tomada sobre isso. Seis ministros entendem que a divisão, o empate, não deve favorecer o réu”, ponderou.

Segundo o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), a aprovação do projeto garantiu e reforçou a presunção de inocência prevista na Constituição. “Lamentavelmente, ainda há gente que gostaria de condenar por Power Point, que gostaria de condenar sem provas. E um dos pilares do Estado Democrático de Direito é a presunção de inocência e o respeito ao devido processo legal”, declarou.

 

Redação/Portal Correio

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