O farmacêutico que inventou uma vacina e ficou famoso

Publicado em sexta-feira, fevereiro 15, 2019 · Comentar 


O epíteto de “Vornoff Brasileiro” foi dado ao major José Fábio da Costa Lira, farmacêutico em Bananeiras mas nascido em Umbuzeiro, onde foi prefeito municipal. O jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, em edição de 11 de agosto de 1936, na primeira página, revela a existência, “no interior da Parahyba, do autor de um processo a que se atribuem curas assombrosas”. Doentes com tuberculose, câncer, lepra e diabetes eram objeto de tentativas de curas pelo método que denominou “lymphotherapia” e que consistia  na “transmutação do princípio vital que afflora de certas glândulas de creanças e menores, desde que estejam sãs, par a pessoas doentes, isto é, para aquelas cuja energia orgânica  esteja perturbada, diminuída ou esgotada”, explica José Fabio, para finalmente comparar: “se posso dizer, é a voronofftherapia simplificada”.

Ao usar o neologismo voronofftherapia, o criador da famosa “vacina de cuspe”, como ficou conhecida a injeção que aplicava nos enfermos, refere-se ao cirurgião russo radicado em Paris, Serge Voronoff (1866-1951) que foi pioneiro em método de transplante e prometia recuperar e garantir a vitalidade, a plena atividade física e mental… por meio do enxerto de glândulas sexuais de primatas não humanos, conforme explica Renata Moehlecke, da Fiocruz. A reportagem de “A Noite” sobre o “modesto farmacêutico do interior” também aludia à possibilidade de seu sistema provocar o rejuvenescimento e garantir uma “velhice mais sadia e mais alegre”.

O jornal carioca mandou a Bananeiras um repórter ouvir o esculápio, para tentar explicar aos leitores a razão da sua fama que já alcançava a Paraíba e os vizinhos Rio Grande do Norte e Pernambuco. Tal qual uma romaria, doentes de toda parte vinham pedir arrego na Farmácia de Zé Fábio. Sua atividade, porém, foi considerada irregular pela Sociedade de Medicina da Paraíba e ele mesmo reconhece – “sei que venho agindo fora da minha profissão, pois não sou médico, mas comprehendo também que a sciencia não pode ser patrimônio de uma classe”… Revela que suas experiências não fazem “victimas”  e, conformado, conclui:  “já ; me compensam as emoções de ter com o meu méthodo aliviado algumas dores humanas”

Depois do pronunciamento negativo da entidade médica paraibana começaram as perseguições ao boticário. O vigário de Bananeiras, José Pereira Diniz, “na qualidade de guia dos destinos espirituaes da parochia” ao tomar conhecimento de que José Fábio havia dito   que “ a lymphotherapia provinha de uma missão divina recebida de um espírito superior que não era o Deus da religião de vocês”, resolveu interpelá-lo por carta, devidamente registrada no Livro de Tombo da Paróquia. As respostas às indagações do sacerdote foram atendidas uma a uma. “O meu methodo de cura lymphotherapia ou sialotherapia é resultado de estudos cient& iacute;ficos publicados em dois livros e um memorial inédito lido perante o corpo médico do Hospital Pedro I, de Campina Grande” informa. E conclui o cientista autodidata: “Vossa Reverendíssima sabe que tenho ideias espíritas, mas, que em tempo algum as empreguei para a cura do corpo e sim para as do meu espírito”.

Proibido de exercer suas experiências na Paraíba, o major José Fabio da Costa Lira (naquele tempo em Bananeiras todo ilustre era major) mudou-se para Serra Negra, no Rio Grande do Norte. Em pouco tempo, a categoria médica local agiu contra sua atividade. Deusdedith Leitão, conta em“Inventário do Tempo” que era um jovem viajante e, na sua faina comercial, encontrou José Fabio em plena atividade em Lavras de Mangabeira, no Ceará. E tomou a “vacina de cuspe” por recomendação de sua mãe, crente dos resultados advindos da injeção “milagrosa”. “Era o que ele chamava de salioterapia que nada mais era de que a saliva transformada num liquido injetável que se indicava a qualquer tipo de doença”, explica Deusdedith.

O trabalho experimental de José Fabio da Costa Lira está detalhado no livro “Da Lymphotherapia ao Physio-Pschismo” publicado em 1924 sob o patrocínio do seu compadre Sólon de Lucena, então presidente do Estado. Ele narra os resultados satisfatórios de seu método de curar e revela, na reportagem de 1936 que, conseguiu curar a tuberculose, “onde reste ainda uma parte do pulmão e espero retrogradar a lepra ao estado de eczema, como já tenho feito da tuberculose uma bronquite commum. Conforme observações mais recentes, consegui reduzir o assucar, num diabético, a mais da metade, e levantar-lhe as forças, dissipar-lhe a catarata e abater a febre do enfermo”.

Correligionário dos Pessoa, compadre e amigo do coronel Antônio Pessoa a quem chamava de Toinho, foi por ele escolhido prefeito de Umbuzeiro. Desgostoso da política local, trazendo uma carta de apresentação de seu chefe político para Solon de Lucena, em Bananeiras instalou-se e se tornou, além de amigo/irmão de Sólon, seu colega, como professor de francês no Instituto Bananeirense, por eles fundado, ao lado de Dionísio Maia e outros.

Foram vãs as tentativas do avô de Waldir dos Santos Lima em legalizar o seu método cientifico de curar.  José Fabio da Costa Lira teria que se conformar com o apoio moral que recebia dos que alcançavam a saúde plena. Não acumulou fortuna, mas lhe sobraram sofrimento e frustrações, fruto das perseguições sofridas ao longo da existência. Sua maior consternação, porém, foi não ter conseguido, com a lymphotherapia, prolongar a vida do seu compadre Solon de Lucena. O clima saudável do curimataú, da Fazenda Pedra D´Àgua, onde morreu o ex-presidente da Paraíba foi insuficiente para a sua cura.

Ramalho Leite
Jornalista/Ex-Deputado – Colunista

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