“Quando fores rezar, entra no teu quarto, fecha a porta e reza a teu Pai em segredo”
(Mt 6,6)
Nesta frase de Jesus, a meu ver, podemos encontrar o sentido da oração, com sua dupla significação: graça e esforço; é graça enquanto o desejo de rezar vem ao orante como dom e é esforço pois pede e exige da pessoa que ora atitudes para acolher a graça.
De fato, somos chamados a entrar no quarto, no secreto e, na intimidade buscar um tempo e um espaço dentro da vida de cada dia para estar com o Senhor que nos ouve e fala no íntimo.
Rezar é então um exercício para tornar forte e robusta a nossa relação com Deus e, por conseguinte, com os irmãos e irmãs; a teologia chama esse esforço de ascese, fadiga de quem se exercita e caminha num processo de subida para uma maturidade da vida e da fé.
O próprio Jesus, depois de ter recebido a graça, de ter sido consagrado no batismo do Jordão, experimento o que significa ascese, exercício, esforço para vencer as distrações que queriam e podiam desviá-lo do núcleo da sua consagração a Deus. As lutas de Jesus (Mt 4,1-11) são as nossas; as tentações são as mesmas para quem caminha em Deus.
Sem o esforço, sem exercitar-se, sem prestar atenção, seria possível acolher e viver a graça Deus? Não acolhe o dom quem não sabe ficar a sós consigo mesmo e com Deus. A vida interior se constrói na perseverança, no diálogo com Aquele que forma em nós o “Homem novo”; e quem não tem vida interior, muito dificilmente poderá encontrar-se, encontrar Deus, encontrar os irmãos e irmãs, a Igreja, o sentido da vida cristã.
Quando se entra no quarto e fecha a porta, a pessoa não se isola, pelo contrário, se estabelece o encontro principal da vida que nos abre para os outros encontros: na oração encontramos Aquele que é no dizer de Santo Agostinho “mais íntimo meu do que eu mesmo sou íntimo de mim”. E assim, nos encontramos a nós mesmos, achamos o ponto de equilíbrio da nossa personalidade, encontramos a imagem e semelhança dele em nós. No segredo da oração nos encontramos no Cristo, descobrimos quem nós somos realmente.
Num mundo marcadamente valorizador das coisas materiais, o ensinamento de Jesus nos convida a olhar para uma outra dimensão do nosso ser: a dimensão espiritual (não somos somente matéria e nem somos somente espírito, somos seres uni-duais); retirar-se diariamente para rezar em segredo tem como finalidade exercitar o espírito para torná-lo forte e ao mesmo tempo exercitar-se nas coisas do Espírito: fortaleza e intimidade, somos sempre mais fortes quando estamos no Espirito. Assim percebemos que nossa vida não nasce apenas de humano querer, mas se origina num chamado do alto: é a anagogia do chamado: “buscai as coisas do alto onde vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,1.), para trabalhar pelas coisas da terra, ou seja, fazer com que as coisas que estão cá embaixo (Katabaino), sejam iluminadas, estejam em relação a nós no seu devido lugar, e nos ajudem a alcançar a plenitude do nosso ser.
Exercitar-se na vida do Espírito requer atenção, humildade, aquela mesma que faz Jesus louvar o Pai que está no céu por revelar as suas coisas aos pequeninos (Mt 11,25).
Humildade fala de pobreza e Jesus, o Rosto de Deus que buscamos, tem predileção pelos pobres. A carência, a indigência é condição indispensável para falar realmente com Deus. Os ricos, os autossuficientes não rezam – rezar é estar com e depender de um Outro, despir-se da autorreferencialidade, para usar um conceito caro ao Papa Francisco.
Entrar no quarto e trancar a porta para a oração é prevenir-se do farisaísmo! Não somos nós que nos salvamos por merecimentos nossos! Oração não é solilóquio, falar consigo mesmo, rezar é buscar o Rosto de um outro; “Narciso acha feio tudo o que não é ele mesmo”.
Talvez uma das maiores tentações dos quem reza seja a vaidade de pensarmo-nos melhores e quando isso acontece nos tornamos “ilhas de egoísmo” e o egoísmo é o anti-amor como dizia dom Helder.
A graça de Deus, derramada em nós na autenticidade da oração nos alcança fisicamente; a força que alguém gastou para rezar na intimidade, purifica nosso olhar exterior, nossos corações, nos tornamos bem-aventurados e bem-aventuramos o mundo.
A oração que é algo espiritual torna-se energia física e “sem essa energia física de Deus na realidade física do mundo, tudo em nós se esvazia e tudo se torna triste, mas triste no sentido mau do termo, não apenas melancólico. Nenhum bem há: tudo nos faz mal, o pai, a mãe, o homem que amo, a mulher que se ama, faz-nos mal o colega, o sol que surge pela manhã, ou a chuva que cai à tarde, tudo nos faz mal, tudo urde e trama, lenta ou rapidamente, tudo nos separa do mundo, da realidade das coisas, tudo se torna obscuro.” (Giussani, “Toda a terra deseja o Teu Rosto”, p.136)
Orar: dom e esforço num poema de São João Paulo II:
A fonte
Fonte de bosque desce
Ao ritmo de acidentados riachos…
Se queres encontrar a fonte,
Deves prosseguir subindo, contra a correnteza.
Penetra, busca, sem ceder,
Tu sabes, deve estar aqui, em algum lugar –
Fonte, onde estás? … Onde estás, fonte?!
Um silêncio …
Torrente de bosque, torrente,
Desvela-me o mistério
Da tua origem!
(Um silêncio … – porque te calas?
Subtraíste da vista escrupulosamente
O mistério da tua descida.)
Permite-me aspergir os lábios
Da água da fonte,
De perceber o frescor
– O frescor vivificante.
(tríptico romano – João Paulo II)
Pe. Elias Sales de Souza
Diocese de Guarabira
Mestrando em Direito Canônico,
Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro.