A fala do trono

Publicado em quarta-feira, fevereiro 15, 2017 · Comentar 


No início de cada sessão legislativa, é da tradição democrática, o envio pelo Poder Executivo de  mensagem ao Poder Legislativo, em todos os níveis: municipal, estadual e federal. A tradição virou norma, e entre nós, está inserta no artigo 86, inciso IX, da Constituição do Estado da Paraíba, na competência exclusiva do Governador. A Carta fala em “remeter mensagem à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do Estado e solicitando as providências que julgar necessárias”. Às vezes, o chefe do executivo prefere apresentar o balanço das atividades do governo, pessoalmente, notadamente, quando esse balanço é positivo e revela um acervo de obr as e ações importantes para o desenvolvimento do Estado. Foi o que fez na semana passada o governador Ricardo Coutinho, por mais de uma hora, diante de um plenário em silêncio e impressionado com revelações que muitos desconheciam, ante à pouca publicidade da gestão. A essa presença governamental se cognominou de Fala do Trono  pois,  sua origem, vem do regime monárquico e tinha no soberano seu principal protagonista. A prática nasceu no Reino Unido. Na Holanda preferem a denominação de Dia do Príncipe e se assemelha à Noruega. Na Suécia, o monarca faz um pequeno discurso antes da prestação de contas do Primeiro Ministro, o mesmo ocorrendo no Japão. No Brasil, Pedro I introduziu o costume, imortalizado, contudo, pelo Imperador Pedro II, cujo cenário foi objeto de tela do nosso Pedro Américo.

A Fala do Trono, do pintor Pedro Américo, mostra o Imperador como figura central da tela, de pé diante do trono sobre um tapete vermelho, segurando na mão esquerda a espada e na direita o cetro. À direita do monarca identificam-se várias figuras do Império, como o barão do Rio Branco e o duque de Caxias. No alto, em uma tribuna, vê-se a imperatriz Tereza Cristina e a princesa Isabel, todos aguardando a palavra do Imperador, vestido nos seus majestosos trajes. Pedro II falaria perante e na abertura da Assembleia Geral. A obra de Pedro Américo está no Museu Imperial.

Era tradição no Brasil Imperial os discursos proferidos pelos imperadores e regentes nas reuniões de abertura e de encerramento do ano legislativo da Assembleia Geral. Diante de deputados e senadores, o monarca discorria sobre os problemas que enfrentava na condução do país e as propostas para tentar resolvê-los. Na fala de abertura de 1830, Pedro I preconizava leis que facilitassem o acesso à terra e acordos internacionais para por fim ao tráfego de escravos: “O tráfego da escravidão cessou e o governo está decidido a empregar todas as medidas que a boa fé e a humanidade reclamam para evitar a continuação de qualquer forma ou pretexto que seja: portanto julgo de indispensável necessidade indicar-vos que é conveniente facilitar a entrada de braços &u acute;teis. Leis que autorizem a distribuição  de terras incultas e que afiancem a execução dos ajustes feitos com os colonos, seriam de manifesta utilidade e de grande vantagem para a nossa indústria em geral”.

Na Fala do Trono de 1888, abrindo os trabalhos da Assembleia, a Princesa Isabel, recebida pelos parlamentares na sede do Senado,  defende o fim do trabalho escravo. A Lei Àurea seria aprovada dez dias depois do discurso da Princesa, em regime de urgência. Presidia a Assembleia o deputado Henrique Pereira de Lucena, pernambucano com raízes na Paraíba. Em agradecimento ao seu esforço pela aprovação da Lei Áurea, a princesa Isabel lhe outorgou o título de Barão de Lucena.

Na sua última Fala do Trono, o imperador Pedro II começou dizendo que “animam-me esperanças, que a pátria deposita em seus eleitos, todas as vezes que, a eles reunido, venho abrir os trabalhos legislativos”. Prosseguiu registrando as boas relações do seu Império com as potencias estrangeiras que “continuam, felizmente, a ser da mais cordial amizade”. A situação interna, na visão do imperador, era próspera e de absoluta tranquilidade. Mas, já naquele tempo, uma seca inclemente perturbava a ação do governo e inutilizava o trabalho agrícola, sem “renascer as esperanças com as primeiras chuvas”

Ontem como hoje, a preocupação com a instrução pública se voltava para a formação profissional. Para o Imperador “sobressai a criação de escolas técnicas adaptadas às condições e conveniências locais” e ainda, preconiza a criação de duas universidades, uma no sul e outra no norte “donde partirá o impulso vigoroso e harmônico de que tanto carece o ensino”. A idéia de criação de escolas técnicas, mais de um século depois, encontrou na província da Paraíba um executor dedicado. Hoje são oferecidas mais de três mil vagas nas Escolas Técnicas Integrais Cidadãs espalhadas por este estado, com garantia de ampliação.

Em sua última mensagem, Pedro II tinha as vistas voltadas para a acomodação de imigrantes que começavam a chegar ao País para substituir o trabalho servil. E disse à Assembleia: “Para fortalecer a imigração e aumentar o trabalho agrícola, importa que seja convertida em lei, como julgar vossa sabedoria, a proposta para o fim de regularizar a propriedade territorial e facilitar a aquisição e cultura das terras devolutas. Nessa ocasião resolvereis sobre a conveniência de conceder ao Governo o direito de desapropriar, por utilidade pública, os terrenos marginais das estradas de ferro, que não são aproveitadas pelos proprietários e podem servir de núcleos coloniais”.

Convém registrar as palavras finais do Imperador Pedro II dirigidas à Assembleia: “Augustos e Digníssimos Srs. Representantes da Nação: Muito haveis feito pelo progresso e felicidade de nossa Pátria, porém muito resta ainda por fazer em uma nação nova, de extenso território, cheia de riquezas naturais e votada pela Providencia aos mais esplendidos destinos. Se é grande o encargo que assumis, não é menor o vosso patriotismo e o Brasil o recorda com a mais segura confiança. Está aberta a sessão”( Nas transcrições mantive a grafia da época). 

Ramalho Leite
Jornalista/Ex-Deputado – Colunista

 

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