Delatores

Publicado em quarta-feira, julho 6, 2016 · Comentar 


Para o mundo cristão, o maior de todos os delatores foi Judas Iscariotes. Há muitas hipóteses que tentam explicar por que Judas traiu a Cristo. “E quando estavam reclinados à mesa e comiam, disse Jesus: Em verdade vos digo que um de vós, que comigo come, há de trair-me”. Judas era um dos doze e o encarregado da coleta de dinheiro para o grupo. Tinha interesse em tirar proveito disso ao tempo em que esperava que o Messias tomasse o poder de Roma. Desenganado dessa perspectiva, resolveu entregar Jesus. Segundo consta, os sacerdotes lhe pagaram trinta dinheiros. Foi a primeira delação premiada de que se tem noticia. A punição de Judas, porém, foi das mais severas. Assumiu a responsabilidade de sua escolha e terminou na ponta de uma corda.

Quando os holandeses invadiram Pernambuco, aí pelos idos de 1630, encontraram na colaboração de um nativo, o guia ideal para a conquistas de outros territórios do nordeste, ampliando seus domínios até a nossa Paraíba. Domingos Fernandes Calabar era um mameluco, isto é, filho de branco com índia e, abandonou suas terras para lutar ao lado dos portugueses e ajudar a expulsar os holandeses. Esteve ao lado de Matias de Albuquerque e participou das lutas de guerrilhas que dificultaram a penetração do invasor. De repente, Calabar muda de lado e, passa a apoiar os holandeses. Justificou que o fazia para evitar que a nova terra fosse escravizada por portugueses e espanhóis. Usou, como Judas, seu livre arbítrio. Preso em Porto Calvo foi enforcado e esquartejado. Sua delação levaria séculos para ser recompensada. Nos dias de hoje, a história tem relevado a posição assumida por Calabar. Não sendo brasileiro na expressão da palavra, gentílico que surgiria próximo à Independência, Calabar teria o direito de optar entre os diversos invasores da Capitania.

O mesmo não se pode dizer de Joaquim Silvérios dos Reis. Apesar de português de nascimento, o coronel de Cavalaria, contratador de estradas, isto é, empreiteiro, e proprietário de minas estava falido em função dos altos impostos cobrados pela Coroa. Por essa razão, foi convidado e se juntou aos inconfidentes, reunidos e revoltados pelo mesmo motivo. A princípio participou do movimento que visava um Brasil independente e republicano. A chamada Inconfidência Mineira seria derrotada pela delação de Silvérios dos Reis, hoje considerado o patrono dos delatores. Foi ele que entregou ao Visconde de Barbacena os nomes dos revoltosos, chefiados por um seu xará, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

O preço da sua delação seria pago por D.João VI, regente de Portugal, em virtude do impedimento de d.Maria, a Louca. Como pagamento por sua colaboração receberia titulo de fidalgo, um pouco de ouro, perdão das suas dívidas, moradia elegante, uma pensão vitalícia e um cargo de tesoureiro. Naquele tempo não se prendia tesoureiro…

Não se comprovou o pagamento da sua traição. Consta que permaneceu preso na Ilha das Cobras por um bom tempo até obter uma pensão de duzentos mil reis. Sua fama de traidor o perseguiu a vida inteira, causando-lhe severos aborrecimentos e até atentados à sua vida, enquanto residiu no Brasil. Voltou à Portugal e veio definitivamente para a Colônia com a Família Real, em 1808. Migrou para o Maranhão onde faleceu em 1819 e foi enterrado com pompas na Igreja São João Batista.

Quantos séculos viveu a nossa civilização, para registrar na sua história nova safra de delatores… Em troca de uma sentença branda, a denunciação afaga o delator e condena severamente a vitima da delação. Não interessa se o delator fazia parte da quadrilha e cometeu os mesmos crimes. Basta devolver parte do que levou para casa e, cumprirá sua sentença, na mansão que o dinheiro podre comprou. No Brasil de hoje, o crime pode até não compensar, mas a delação purifica o criminoso.

Ramalho Leite
Jornalista/Ex-Deputado – Colunista

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