De volta ao Livro de Tombo

Publicado em domingo, junho 19, 2016 · Comentar 


O monsenhor José  Pereira Diniz era uma figura polêmica, como já fiz ver em textos anteriores.Mas era um apaixonado pelo que fazia. Também tomava  partido pelas boas causas e cuidava de proclamar sua satisfação. O médico Clovis Bezerra que começou sua faina em Bananeiras, pelos idos de 1936, recebeu desde sempre o apoio do vigário. Até quando precisou pedir votos, teve a ajuda discreta do padre. Em carta que registrou no Livro de Tombo, em 28 de dezembro de 1936, dirigida ao Chefe do Posto de Higiene, padre Zé Diniz escreve:

Já houve quem afirmasse que a função do médico é um sacerdócio do corpo, correlato ao sacerdócio da alma, que é mister especial do padre.Enquanto, o ministro da Religião pensa as feridas morais profundas que corroem o espírito e matam as reservas vivas do coração; o médico, integrado no seu papel, dedica-se ao trabalho caridoso de curar as chagas, os males do organismo humano,contribuindo, dest’arte, para estabelecer a felicidade temporal na sociedade, despertando, pela saúde, no arrimo desfalecido dos que sofrem, a alegria irreprimível de viver.Se existe o sentimento de gratidão, este deve ser tributado áqueles que nos fazem o bem.E se apostolos do bem  são os peregrinos do evangelho, que se imolam na asa da abnegação, para alcandorar as almas ás alturas sobrenaturaes da sua finalidade suprema. Egualmente, deve-se predicar dos que se dedicam ao serviço da humanidade e sacrificam-se pelo bem estar físico do seu semelhante.”

Todo esse nariz de cera na abertura da carta, tinha o propósito de reverenciar o trabalho do médico, não de todos, mas especificamente do futuro prefeito, deputado e governador da Paraiba, Clovis Bezerra. Por isso, acrescenta o pároco: “ Todos nós, em Bananeiras, exceção feita aos eternos descontentes, descobrimos na vossa operosidade funcional, sempre em prova, um verdadeiro sacerdócio no cumprimento fiel dos seus deveres….E o que V.S. tem realizado no Posto de Higiene de Bananeiras, não se argumenta, se vê.Depreende-se daí, o motivo desta simpatia com que os vossos beneficiados ao lado dos vossos verdadeiros amigos cercam a pessoa bondosa de V.S. em toda a extensão territorial de Bananeiras….queira poi s, o distinto amigo,aceitar de minha parte, um abraço de parabéns e o meu voto sincero de louvor pelo grande bem que está realizando como chefe do posto de higiene da nossa  Bananeiras”.

Nomeado prefeito de Bananeiras pelo interventor federal, desembargador Severino Montenegro, dr. Clovis permaneceu pouco mais de dois meses administrando a cidade.Foi exonerado pelo seu primo Odon Bezerra Cavalcanti, ao assumir, interinamente, a Chefia do Executivo paraibano. Na reconstitucionalização do País,  eleição de 1947, ambos foram eleitos deputados constituintes. De Bananeiras, três representantes, se contarmos com o areiense que se fez político longe de casa, Pedro Augusto de Almeida. Este, responsável por famosa polêmica com o padre Zé Diniz. Chegou a representar contra o padre  na Diocese mas este conseguiu provar que eram infundadas todas as acusações contra sua pessoa. Tudo está registrado: acusação e defesa.

Prefeito e vigário brigavam por tudo. Frei Damião de Bozzano passou algumas semanas em Bananeiras realizando suas Santas Missões. Terminada sua tarefa, voltaria ao Convento dos Capuchinhos, no Recife. O padre mandou comprar a passagem de trem para o frade. Pedro de Almeida foi ao Moreno e alugou, com a ajuda da população católica, um veiculo, para deixar o missionário no Recife, acusando o padre de não ter piedade do capuchinho, já àquele tempo com a coluna vergada.

Com Clovis Bezerra, porém, o padre nunca brigou. Não se cansava de proclamar sua idoneidade moral e cívica, a exemplo da carta acima transcrita. Vejam o que encontrei entre meus papeis: uma nota de empenho da Secretaria de Finanças do Estado da Paraíba. O governador era justamente Covis Bezerra. O primeiro empenho no valor de 240 mil cruzeiros, “referente a devolução voluntária da diferença de gratificação de representação, referente aos meses de janeiro a agosto de 1980, creditado na conta 01.232.706.8 no Banco do Estado da Paraíba”. Quer dizer, ele devolveu parte da sua &nbs p;representação de governador correspondente aos vencimentos de medico. Achava que não poderia acumular e, simplesmente, devolveu 30 mil cruzeiros por mês.

O segundo empenho e seu recibo correspondente   merece  divulgação para exemplo das futuras gerações. O governador viajou ao sul do país para tratar de assuntos relativos à administração estadual. Recebeu 100 mil cruzeiros de ajuda de custo, em 10 de setembro de 1982 e assinou o recibo.  Neste mesmo documento da Tesouraria do Gabinete Civil do Governador, foi acrescida a seguinte nota: “Obs. O valor real deste recibo é de Cr$50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros) em virtude da devolução feita pelo Exo.Sr.Governador, da importância de Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros). Visto: João Pereira Gomes, subsecretario Chefe do Gabinete Civil.”. Deixo os comentários por conta do leitor mas acrescento: o padre Zé Diniz estava coberto de razão.

Ramalho Leite
Jornalista/Ex-Deputado – Colunista

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