Em autobiografia, padre Cristiano Muffler afirma ter fugido da guerra aos 10 anos

Publicado em quinta-feira, maio 5, 2016 · Comentar 


Pe-CristianoNasci no dia 23 de junho de 1935 em Idashof, leste da Alemanha. Sou filho do agricultor VICTOR MUFFLER  e da professora HILTRUD MUFFLER.

Com 10 anos de idade, em 1945, no fim da 2ª guerra mundial, tivemos que fugir do front da  da guerra que estava se aproximando. Isto se deu em pleno inverno rigoroso, com vários graus abaixo de zero. Perdemos nosso pai que foi levado pelo exército russo para os campos de concentração da Sibéria. Anos depois recebemos a notícia do seu falecimento.

Minha mãe teve que voltar a pé para o lugar de origem apenas com uma mochila nas costas e 4 filhos pequenos, eu e minhas 3 irmãs mais novas. Nossa casa ficava no sítio e ninguém podia morar lá por causa da violência. Durante meses passamos muita necessidade, fome e frio. Depois recebemos a notícia de que essa parte da Alemanha seria anexada à Polônia e quem não adotasse a nacionalidade polonesa tinha que sair. Saíram todos em trens superlotados, pois era até proibido falar alemão.
Conseguimos chegar até a divisa com a Alemanha ocidental e, numa noite bem escura, conseguimos atravessar a fronteira que ainda não estava vigiada com choques elétricos e armas automáticas.

Na Alemanha Ocidental consegui, por uma graça de Deus muito especial, estudar no colégio interno dos padres beneditinos de Metten/Danúbio.  Estes anos contribuíram para me fazer sentir um forte chamado para me consagrar como padre e missionário ao serviço do Reino. Estudei filosofia no seminário de Königstein, perto de Frankfurt, seminário criado para os filhos de famílias exiladas da sua terra natal como eu. Quase todos os seminaristas tinham perdido o pai na guerra como eu.

Estudei teologia na Universidade de Munique e no seminário de Málaga / Espanha. Fui ordenado padre, no ano de 1962, pelo bispo dos exilados pela guerra, bispo da Diocese de Hildesheim, diocese no Norte da Alemanha, o qual ,em 1963, me liberou para o Brasil, atendendo ao pedido de um bispo alemão, Dom Anselmo de Tubarão /Santa Catarina que, por sinal, tinha sido anteriormente bispo de Campina Grande.  Cheguei a Tubarão no mês de janeiro de 1964.

Dom Anselmo, conhecedor da carência de padres no Nordeste, me incentivou para pedir ao meu bispo a transferência para aquelas terras. Minha vontade era chegar logo na Paraíba, em João Pessoa ou Campina Grande, pois Guarabira não existia ainda como diocese. Mas fui enviado para a diocese de Floresta / PE, onde tinha um bispo alemão que fez amizade com meu bispo durante o Concílio Vaticano II.

Em janeiro de 1968 troquei meu fusquinha num carro chamado “rural”, mais apropriado para estradas de chão, e fomos rumando, o catarinense Nicodemos Duarte, leigo corajoso e dedicado à Igreja, experiente evangelizador e catequista, e eu, padre jovem e inexperiente, via Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Paulo Afonso até a cidade de Floresta, no alto sertão pernambucano,  terra de lampião, sede de uma diocese pequena com apenas 8 padres. Fui nomeado primeiro pároco da velha Petrolândia, cidade pequena na beira do Rio São Francisco. Esta cidade ficou depois totalmente submersa pelas águas da grande barragem da Itaparica.

Mas, neste tempo, a partir do ano de 1974, eu já estava na Paraíba por convite de Dom José Maria Pires, tomando conta da paróquia de Pirpirituba com Sertãozinho e Belém e, na medida que a saúde do Pe. Epitácio de Serra da Raiz diminuía, foi chegando Jacaraú, Lagoa de Dentro, Caiçara, algumas comunidades de Tacima, Lagoa de Dentro, Duas Estradas e finalmente Serra da Raiz, uma região onde hoje tem exatamente dez municípios, quase todos com um padre.

Mas, como diz o ditado, “Deus dá o frio conforme o cobertor”:   Chegou Dom Marcelo Carvalheira, bispo da região episcopal de Guarabira. Com ele e com seu lema “Evangelizar” surgiu um novo tempo nesta região, muita alegria, muito ardor missionário. Em Guarabira chegaram os padres Pe. Celestino e Pe. Luis.  Chegou em Belém João Batista Sales- hoje monge em Alagoas- com uma pequena equipe de missionárias, entre as quais sua irmã, a Ir. Socorro que atua hoje no Bom Samaritano em Pirpirituba. Moravam em Jacaraú e depois em Duas Estradas as irmãs Clarissas Franciscanas de Belo Horizonte, trazidas por Dom José Maria Pires e Dom Marcelo.

Mas, o que mais ajudou e nos enchia de alegria e satisfação, era a dedicação dos nossos leigos: catequistas, animadores, dirigentes das celebrações, membros dos conselhos de pastoral e administração das paróquias e comunidades.
Em 1984 Dom Marcelo me transferiu para Mari, incluindo as cidades de Mulungu, Alagoinha e Cuitegí.
Quando Pe. Adelino, perseguido pelo esquadrão da morte, teve que fugir às pressas para Roma, fiquei com as duas paróquias de Guarabira, Santo Antônio e Catedral, incluindo Pilõezinhos.

Finalmente, em 1991, cheguei à paróquia de Bananeiras, incluindo Dona Inês. Eu tinha um laço afetivo com Bananeiras que talvez pouca gente conheça: Durante a missão de Frei Damião em Solânea, em 1976, minha mãe, que por  feliz coincidência estava me visitando, foi hospedada pelo então pároco Pe. José Floren, na casa paroquial de Bananeiras. O Pe. José era pároco das três cidades Solânea, Bananeiras e Dona Inês e na casa paroquial de Bananeiras não morava ninguém. Minha mãe gostou muito da casa e ficou feliz quando soube depois que eu estava sendo nomeado para ser pároco de Bananeiras.

Posso dizer que em Bananeiras colhi o que outros plantaram: Pe. José Floren, Pe. João da Cruz (ainda hoje tem pés de café daquelas mudas que Pe. João da Cruz distribuiu), Pe. Silvano, Pe. Celestino. Quero dividir esta homenagem com eles que evangelizaram o povo antes de mim e com Dom Marcelo que me deu posse e sempre me encorajou e apoiou.
Uma grande homenagem da minha parte merecem aqueles e aquelas que foram meus colaboradores diretos:

O grande mestre de obras em todas as construções, Sr. Dioclécio,

A equipe de evangelização que fazia os encontros com as CEBs em todos os setores.
A pastoral da Criança que recuperou inúmeras crianças desnutridas e apáticas.
As coordenações e equipes de liturgia, catequese e outras pastorais, na cidade e nos sítios.
O grupo “Sal da Terra”, bom e competente ao ponto de eu ter tido a coragem de levá-lo à Alemanha duas vezes, o que foi realmente um sucesso.

O Projeto PRÓ- MULHER que, na época – 1994 a 2000 – contemplou cerca de 300 mulheres (Coordenado por Gilvanisa Maia). O trabalho social com as mulheres dos sítios que fez com que as mulheres criassem muito mais auto-estima e consciência da sua dignidade

Minha equipe bem eficiente e de muita confiança da Casa Paroquial que distribuía as multimisturas, os óculos e as roupas usadas que vinham nos containers e que, naquele tempo, serviam tanto às pessoas mais carentes.
Os jovens voluntários da Alemanha que iniciaram e coordenaram o trabalho com cisternas e cacimbões.
O Projeto- Associação “Diálogo Nordestino”, coordenado por Afrânio e Ivanilson.

A Associação de Promoção de Desenvolvimento Sustentável – APRODES, Responsável Paulo Rech, apoiado por nossos amigos, os professores da Universidade, que deram cursos de apicultura e criação de pequenos animais. Quem imaginaria naquele tempo que hoje chegariam toneladas de mel de mais de 10 municípios para ser processadas e distribuídas nas escolas e nas creches.

A Associação de Pequenos Criadores de Cabras – Comunidades: Jaracatiá : , Baixa do Mel, Santa Vitória, Boa Vitória, Porteiras e outras);

A Associação de Tecelões e Artesãos da Região do Taboleiro (1ª Fábrica de Redes);
Os homens que faziam parte dos mutirões de construção das capelas e reconstrução das casas.

A banda Antares que hoje já tem um nome respeitado no campo da boa música.

As irmãs do Carmelo que acompanharam tudo isso com suas orações e, com seus aconselhamentos e assim semearam a paz em nossas famílias.

E não por último: meus amigos na Alemanha que confiaram na capacidade e honestidade de todos nós e financiaram o início de tudo isso, entre os quais se destacam aqueles que tornaram possível a aquisição da Rádio Integração do Brejo AM, emissora pertencente à Diocese de Guarabira, e a reconstrução da casa das Irmãs do Carmelo.

Todos estes amigos e colaboradores merecem nossa gratidão, ainda mais relembrando as circunstancias daquele tempo difícil, com graves conflitos de terra que, não raras vezes, nos renderam acusações injustas. Deus seja louvado pela boa semente que brotou e deu fruto. Tudo foi obra de Deus, nós apenas fomos “servos inúteis, fizemos apenas o que nos foi mandado” como diz Jesus no Evangelho.

Agradeço ao Sr. Ramom Moreira, presidente da CÂMARA DE VEREADORES DE BANANEIRAS e aos demais vereadores que por unanimidade aprovaram a concessão do título de cidadão bananeirense que se configura como uma declaração oficial de que realmente posso ser considerado como um verdadeiro conterrâneo desse querido município, título que recebo com alegria e gratidão, inclusive por dar-me a oportunidade de me encontrar com tantos amigos(as) e irmãos(ãs) que, durante o período de 1991 a 1996, estiveram juntos na missão e já me adotaram como um irmão. É assim que me sinto – um irmão mais velho de todos e todas. Por isso compartilho com os presentes, esse momento.

Padre Cristiano Muffler

Da Redação
Com Portal 25 Horas

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